Opinião | A voz do esquecido: a revolução cultural que a Blumenau precisa!

Foto: Mídia Ninja/Divulgação

Era uma vez um palco repleto de histórias, de sonhos e de lutas. Um lugar que, erguido em São Paulo, como um farol cultural, ilumina os corações e mentes daqueles que têm a audácia de adentrar em sua aura. Ali, neste espaço, no Bixiga, o Teatro Oficina ganhou vida sob a batuta do inigualável Zé Celso, o dramaturgo que deixou marcas indeléveis na história do teatro brasileiro. Mas agora, o brilho se apagou. A notícia da partida de Zé Celso nos deixa um vazio inimaginável, uma sensação de perda irreparável.

Zé Celso, esse nome ecoa pelos corredores da memória como um dos maiores artistas que este país já conheceu. Sua luta incansável para transformar o teatro em um destino de troca cultural, de reflexão e de transformação, encontrou abrigo no coração do Brasil, na capital econômica da nação. Ele entendia que as artes não eram apenas entretenimento, mas também uma poderosa ferramenta de impulso ao turismo e ao desenvolvimento local e, principalmente, do indivíduo.

E é aqui que minha crônica alcança os morros de Blumenau, cidade encantadora que vivo, que carece de um teatro público municipal além do já existente Teatro Carlos Gomes. A ausência de espaços dedicados às artes cênicas, onde apresentações permanentes possam ser realizadas, é um vácuo que precisa ser preenchido. É neste ponto que as palavras de Zé Celso encontram eco em meus pensamentos.

A loira cidade catarinense, rica em história, cultura e economia, poderia se beneficiar imensamente de um local público para a vida artística. Também, da criação de roteiros turísticos que mergulhem seus visitantes em experiências teatrais únicas. O mundo de hoje é o viver de experiências. E, neste ponto, nenhum outro povo possui mais conhecimento que os americanos em construir momentos, transformando história em lembranças, aprendizado e dinheiro.

Por quais motivos, então, não testamos por aqui esta versão moderna de turismo? Imagine guias “vivos” interpretando no Museu da Família Colonial, no Cemitério dos Gatos, à vida de personagens que moldaram Blumenau ao longo do tempo, proporcionando uma visita imersiva e envolvente aos turistas.

Essa abordagem poderia ajudar a fortalecer o turismo local, atraindo um público ávido por vivenciar a história e a cultura da região. Como um efeito colateral, essa movimentação também injetaria vida nas veias das artes cênicas, impulsionando as produções locais e proporcionando um ambiente fértil para a criação teatral.

Hoje, o teatro na cidade vive graças o esforço de profissionais dos cursos da Cia Carona, ligados ao Teatro Carlos Gomes, do curso de teatro da Furb, e do Inarti – Instituto de Artes Integradas de Blumenau. Todos nós ganharíamos com incentivos para estas fontes inesgotáveis de talento e criatividade, enriquecendo a cena artística local.

Além disso, é importante destacar o papel fundamental do Inarti, que comemora 20 anos em 2023. Dentre as diversas ações promovidas está o Festival Nacional de Teatro para Crianças e Jovens – Fenatib, um marco no calendário cultural do sul do Brasil. Uma iniciativa que, assim como o Teatro Oficina de Zé Celso em São Paulo, busca transformar a cultura e o teatro em elementos essenciais para o desenvolvimento de uma cidade.

Neste momento, enquanto Blumenau discute a municipalização do complexo esportivo do Sesi, é importante ressaltar que, assim como o incentivo ao esporte é fundamental para a manutenção física do corpo, atuar para fortalecer a cena cultural é como oferecer estímulos aos pensamentos, à mente, à criatividade e ao crescimento da expressão social.

Assim como o esporte desenvolve habilidades físicas, a cultura e as artes desenvolvem habilidades mentais e emocionais. Ao investir na criação de espaços culturais e na valorização dos artistas, estamos fornecendo às pessoas a oportunidade de explorarem seu potencial artístico, intelectual, de expandirem seus horizontes e de se conectarem com outras perspectivas e experiências.

Que essa discussão sobre a municipalização do complexo esportivo do Sesi seja um começo para uma reflexão mais ampla sobre o papel do investimento cultural e esportivo na cidade de Blumenau. Ao reconhecer a importância tanto do esporte quanto da cultura, estaremos construindo uma cidade mais equilibrada, onde os cidadãos têm acesso a oportunidades de desenvolvimento físico e mental.

Assim, é importante valorizar estas iniciativas, fortalecendo o cenário artístico e estimulando a formação de novos talentos, para que a chama da arte continue a brilhar intensamente nos corações da comunidade local. Reconhecendo a importância de proporcionar espaços onde apresentações permanentes possam acontecer, fazendo deste um endereço, um destino cultural vibrante, onde o teatro, as artes e o esporte sejam pilares fundamentais para o desenvolvimento humano e social.

É importante, ainda, fazer ecoar sempre as palavras de Dercy Gonçalves ao explicar o descaso social com as personalidades e pensadores importantes do passado. Dizia a falecida atriz que “este país é assim mesmo. Não tem memória pra nada, tem secretaria e ministério de tudo no Brasil, mas ninguém se lembra de nada nem faz por onde lembrar. Eu protesto contra a falta de consideração, contra a falta de memória”.

Nós, como sociedade, precisamos combater essa amnésia coletiva, pois ao esquecermos nossos artistas, estamos negando a nós mesmos a oportunidade de crescer, de aprender e de nos reinventar. A memória é um fio que conecta o passado ao presente, e é por meio dela que podemos traçar nosso caminho para o futuro.

Que a memória de Zé Celso e de tantos outros artistas que dedicaram suas vidas à arte e à cultura no Brasil seja preservada e honrada. Que suas lutas e conquistas inspirem as gerações do presente e do futuro a continuarem a trilhar o caminho da expressão artística, da reflexão e da transformação social.

E se na vida real é também permitido sonhar, como nos palcos e ficção, que Blumenau seja um farol cultural e esportivo, iluminando os caminhos daqueles que buscam expressar-se, crescer e se desenvolver plenamente. Que a cidade seja um exemplo para o país, mostrando que o investimento nas artes e no esporte é um investimento no presente e no futuro de uma sociedade vibrante, criativa e harmoniosa.

Tarciso Souza, jornalista e empresário.

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