Opinião | Abrindo as janelas de um novo tempo

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Volto, depois de alguns dias de descanso, com muitas dúvidas e um pouco de esperança. Hora de grande reflexão: tenho cumprido o meu dever nesse 2025 que ainda não mostrou a cara? Como viverá o planeta com um Donald Trump se fazendo de imperador, ameaçando anexar o Canadá, tornando-o o 52º Estado americano e, mais, querendo comprar a Groenlândia? Quem vai dirigir o país da maior democracia ocidental, a partir de 20 de janeiro próximo, é um bilionário que ameaça o planeta com ideias estapafúrdias. A Europa vai suportar isso? China e Rússia, o que farão para impedir essa ambição? As guerras entre Ucrânia e Rússia terão um fim? Israel continuará a reagir contra seus inimigos no Oriente Médio? A Faixa de Gaza continuará a ser alvo de bombardeios? E os países da América Latina seguirão na curva da direita ou da esquerda?

As interrogações ganham volume. Tempos de turbulência, novos ciclos de medo e de paisagens mortuárias nos aguardam. A par das tensões que viveremos nesse segundo tempo do governo Lula III, quando o jogo da economia, apitado pelo árbitro Fernando Haddad, será disputado entre os times da gastança e da poupança. A vereda por onde devemos passar é estreita, daí o esforço para não sermos engolidos pela batalha que se travará na arena econômica. Os grupos internacionais já estão pulando fora do nosso chão, temerosos de verem seus volumosos investimentos escorregarem nas mãos inábeis dos nossos financistas.

Querem um conselho? Vamos a ele: não gastem mais do que devem poupar. Saibam administrar quando e como abrir o cofre. Sob a lembrança de que sua excelência, Luiz Inácio, prometeu, quando se assentou na cadeira central do Planalto pela terceira vez, realizar o melhor governo de toda a história republicana. Olhem o tempo, senhor presidente. A partida está no 52º minuto.

Mãos à obra. Ao lado da prudência na escolha de novos integrantes do seu Ministério, urge, presidente Lula da Silva, adotar a virtude da moderação, tão importante nesses tempos agressivos que estamos presenciando. Sabe-se que o senhor desconfia muito dos conselhos que chegam aos seus ouvidos. Mas abandone, paulatinamente, o tom palanqueiro e evite usar imagens que tendem a causar polêmica, como esta dos homens brasileiros que preferem amantes às esposas. Claro, sua intenção não foi a de enaltecer o adultério, mas a índole nacional levou o caso para o foro da fofoca. Não exagere, não rompa os limites de sua autoridade, desfrute livremente de sua linguagem, mas contente-se com o estritamente necessário, sem arroubos e extravagâncias que acabam roubando o estoque de bom senso. A intemperança, dizia Montaigne, é “a peste da volúpia”.

Evite, ainda, cair na sela da pavonice, muito comum nos tempos de desfiles canhestros para chamar a atenção de espectadores e ouvintes. Os idos de Luís XIV, que desfilava em Versailles em seu cavalo branco adornado de diamantes, já se foram. O Brasil de 2003 até que propiciava momentos de Estado-Espetáculo, onde o ator principal podia desfilar vaidades e virtudes. O senhor, afinal de contas, subiu ao cume da montanha, trilhando um tortuoso caminho, que começou na base da pirâmide. E os brasileiros ansiavam vê-lo como se comportaria no comando do transatlântico nacional.

Seu estilo de governar, de falar e se comportar foi bem observado pela plebe e pelas elites. Até 2011. Oito anos e oito dias. O Brasil de hoje é outro, mesmo continuando com as amarras do passado. Dessas observações, sai mais uma sugestão. Tenha cuidado com a imagem plástica que o “novo comunicador” do Lula III, Sidônio Palmeira, tentará construir. Publicizar em demasia um ente público, seja um indivíduo, seja uma organização, é construir um castelo na areia.

Atente, também, para o valor da humildade, que ganhou de André Comte-Sponville, filósofo francês, a definição: a humildade é a virtude do homem que sabe não ser Deus”.

Tempos de dureza, de polarização intensa e continuada entre seus exércitos e os de seu opositor, um capitão que nunca foi bem-visto nas Forças Armadas, tempos de ódio, com a arena cheia de opostos se matando. É hora de criar um contraponto à desdita. Procure viver de modo mais leve, suave, evitando rompantes, atitudes tresloucadas, viagens longas. Cuide de sua saúde.

E não menospreze o vozeirão do imperador global, que já fez uma ameaça, mesmo leve, ao Brasil. O senhor Donald quer o trono do planeta. Seja justo. E o leme do Itamaraty deve seguir os ajustes sob a égide do pragmatismo.

“Ainda estamos aqui”, disse o senhor, em sua fala por ocasião do evento que lembrou dois anos da barbárie que assolou os Três Poderes, em Brasília. Temos que comemorar com orgulho a espetacular performance de nossa atriz Fernanda Torres, no magistral filme de Walter Salles sobre a vida do ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva. Esse filme é um pilar de conscientização para bloquear a tirania.

Viva!

Em suma, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, busque se guiar pela deusa de olhos tapados, Têmis, aquela que o senhor avista de sua sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, e que é desenhada com uma balança e dois pratos em equilíbrio, que apontam para o estado da ordem e da igualdade. Ao seu lado, o senhor tem uma conselheira. E parceira. A primeira-dama, Janja, é, pelo que se intui, uma luz que ilumina seus passos.

Não se deixe envolver pelas doses de ódio que continuam a emergir nas ondas de intensa polarização política. Nietzsche anunciava: “o que fazemos por amor se consuma além do bem e do mal”.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor (USP) e consultor político

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