Opinião | Ainda a Sombra da Ditadura: um cinema lotado de ausências

Imagem gerada por IA

Na noite de ontem, 20 de novembro, feriado em celebração ao Dia de Zumbi dos Palmares, a Sala de Cinema de um dos shoppings de Blumenau/SC exibiu o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles. A sessão estava parcialmente ocupada, com alguns lugares vagos. Nacionalmente, a obra já ultrapassou a marca de um milhão de espectadores, consolidando-se como um sucesso de crítica e premiações ao redor do mundo. É apontada como forte candidata a representar o Brasil no Oscar.

O filme adapta o livro de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado federal Rubens Paiva, que foi cassado, preso, torturado e assassinado durante a ditadura civil-militar de 1964. Trata-se de um relato tocante e profundamente humano sobre a trajetória de Eunice Paiva, mãe de Marcelo e esposa do deputado. O roteiro, premiado no Festival de Veneza, escapa do convencional ao não se limitar à narrativa da repressão da ditadura. Ele ilumina a história de uma mulher que, após ser brutalmente privada do marido e pai de seus filhos, reinventa-se como indivíduo, cidadã e militante na resistência contra os anos de violência e opressão política.

A exibição ocorre em meio ao impacto das notícias recentes de que a Polícia Federal prendeu quatro militares de alta patente do Exército Brasileiro, acusados de planejar um golpe de Estado em 2022. Entre os atos conspirados, incluíam o assassinato do presidente e do vice eleitos, além do presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Segundo as investigações, o planejamento da tentativa de golpe aconteceu na residência de Walter Braga Netto, ex-general do Exército e figura central no governo de Jair Messias Bolsonaro, onde ocupou cargos como ministro da Defesa, chefe da Casa Civil e chefe do Estado-Maior.

O motivo do golpe, conforme apurado, era a recusa do grupo – assim como do ex-presidente – em aceitar o resultado das eleições daquele ano. Conversas interceptadas pela Polícia revelam que a operação, batizada pelos conspiradores como “Punhal Verde e Amarelo”, pretendia ser ainda mais sangrenta e implacável do que o golpe de 1964.

Durante a sessão do filme, ouvi alguns prantos abafados e soluços discretos. Não era possível ignorar que, nesta mesma cidade, nas eleições de 2022, 159.256 eleitores – o equivalente a 75,28% do total – votaram em um candidato que idolatra um torturador e construiu sua carreira exaltando a ditadura de 1964. Este mesmo político reiterou inúmeras vezes que o regime deveria ter eliminado ao menos 30 mil pessoas.

Enquanto não enfrentarmos as feridas da ditadura de 1964, estaremos fadados a reviver golpes e quarteladas. Ao final da exibição, uma tímida salva de palmas ecoou na sala. Talvez uma fagulha de esperança ainda resista.

Dr. Josué de Souza, professor e cientista social

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