Opinião: as lições da crise

Foto: PA/Reprodução via BBC Brasil

A crise sanitária que continua a assolar o planeta, sendo o fenômeno mais nocivos dos últimos 100 anos, abre um denso livro de lições para governos e protagonistas da política. Impõe o que na esfera da educação se chama “aprendizagem pelo erro”. Um conjunto de situações se escancara: o despreparo do Estado para enfrentar a pandemia; a concentração da produção de vacinas em poucos países, submetendo imensa parcela das Nações ao mando dos produtores; a precária rede social de muitos territórios, que foi drasticamente destruída desde a crise financeira de 2008; a lentidão das economias no processo de reconversão de parques industriais para a produção de máscaras e equipamentos de proteção.

No início, pensava-se que o surto seria rapidamente controlado. Com a evolução da pandemia e o crescente aumento do número de mortes e contaminação, os maiores centros de pesquisa, a partir da China, sacaram suas armas de defesa e passaram a dar respostas mais eficazes no combate à pandemia, como a produção de vacinas, surgidas em menos de um ano, feito inédito. Mas aqueles ambientes que ainda sofriam com restrições fiscais advindas da crise de 2008, como Grécia, Itália, Portugal, Espanha, na Europa, e outros que haviam cortado benefícios sociais, foram lerdos na operação de combate à Covid-19.

Os Estados Unidos, cujo papel na liderança mundial foi corroído na era Trump, um governante inclinado a fechar o país em copas e a apoiar o clamor nacionalista, despertaram com Joe Biden para a necessidade de retomar o protagonismo. Depois de vivenciarem um ciclo de despreparo de seu sistema de saúde, com uma taxa de mortalidade entre as mais altas do mundo, os EUA passaram a aplicar pacotes de socorro, culminando com os planos de recuperação anunciados pelo presidente somando cerca de US$ 4 trilhões. Na Europa, um pacote de 750 bilhões de euros foi a resposta para recuperar a economia continental.

Quem mais avançou na crise, sob os aspectos econômicos e geopolíticos, foi a China que, mesmo sob a grita de o vírus ter vazado de um dos seus laboratórios, na cidade de Wuhan, tem sido o principal produtor de vacinas. Usando de modo estratégico essa condição, a China avolumou seu protagonismo no campo científico, o que, em tempos de tormenta como o que vivemos, acaba quebrando resistências e atenuando a onda crítica que bate no regime comunista chinês.

O fato é que as Nações abriram os olhos para a meta de abrigar parques de produção, em um esforço para evitar a superconcentração de vacinas e insumos em poucos lugares e tentando nivelar o poder geopolítico entre eles. A ideia inspiradora é a de se chegar a uma produção, hoje insuficiente, capaz de suprir a demanda global. O susto foi grande, motivando governos ao compromisso de atrair ou instalar empresas de alta tecnologia para fabricar equipamentos médicos e fármacos.

No feixe das discussões, incluem-se reclamações sobre a missão da Organização Mundial da Saúde e sugestões para mudanças em suas operações. Mais uma vez, o viés ideológico impregna esse foro discursivo.

O pano de fundo mostra o aparente conflito entre dois discursos: a globalização e o nacionalismo, ou seja, continuar a abrir fronteiras físicas e ideológicas ou fechar a porteira. Globalização é um fenômeno que ultrapassa a simples ideia de abertura de fronteiras físicas. Trata-se de interpenetração de valores, princípios, costumes, enfim, um ideário cada vez mais exposto ao acesso dos habitantes do planeta e em visibilidade intensa e permanente pelas redes sociais, inseridas nos eixos tecnológicos da internet.

Difícil de desmontar tal engrenagem. Já o nacionalismo volta ao centro do debate na onda da garantia do trabalho, com a pregação de que seus espaços sejam ocupados pela população originária do país e não por estrangeiros.

O foro tende a acender os ânimos, principalmente quando se abrem as cortinas para mostrar as ferramentas tecnológicas tomando o lugar das pessoas. Sobre o Brasil, as inferências ficam em aberto. Mas o leitor pode fazer a sua leitura.

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