Opinião | As relações perversas entre alimentação, saúde, economia e meio ambiente

Foto: reprodução

Existe uma relação muito estreita e perversa entre o que comemos, nossa saúde, nossos gastos e o meio ambiente. Para produzirmos alimentos é necessário alterarmos o ambiente natural. Retiramos os elementos ecossistêmicos, especialmente a vegetação, para que amplas áreas possam ser plantadas ou utilizadas para a produção de gado, o que é pior. A produção agropecuária em grande escala têm um impacto violento sobre áreas naturais, especialmente sobre a Amazônia, a Floresta Atlântica, o Pantanal e o Cerrado, no Brasil. Para nós, o dilema é agravado pelo fato da nossa produção primária ser a base do nosso Produto Interno Bruto e pelo fato de sermos o maior país tropical do planeta, o que determina de fato alto potencial agrícola.

Além da devastação, o problema agrava-se pelo uso intenso de agrotóxicos e adubação química, que poluem o solo, a água, o ar e as pessoas, principalmente pela alimentação. Além de comermos alimentos contaminados quimicamente, ainda temos optado cada vez mais por produtos industrializados, que demandam água, energia e materiais na sua produção, geram mais lixo pelas embalagens e fazem mais mal à saúde, pois necessitam de aditivos químicos para melhorar a conservação e o sabor.

Quando você pensa em saúde o que vem à sua mente em primeiro lugar? Para a maioria é a ausência de doença. Isso nos dá a ideia de oposição: basta que não estejamos doentes e estaremos saudáveis (o que geralmente associamos à ausência de dor, apenas). Surge assim a cultura da remediação (eliminar rapidamente a dor). E o que mais se vê na mídia em geral é exatamente isso, essa relação dicotômica. E “Se persistirem os problemas, procure um médico”. Somos hors concours em automedicação. Por outro lado, a cultura da remediação ataca os sintomas e não as causas do que nos aflige e reproduz aquilo que a mídia nos oferece.

Tudo isso reflete uma falta de percepção sobre o real significado de saúde, que infelizmente é também reproduzido por governos, mídia, laboratórios e sociedade. Saúde é um processo permanente de manter e perceber o corpo (e a mente) em equilíbrio e como sistema, e que para isso devemos fazer permanentes escolhas: o que comer, como se deslocar, o que comprar, como viver, na verdade. Um estilo de vida mais simples, com menos consumo e menos descarte ajudam muito e também farão com que o impacto ambiental gerado por cada um seja menor. Desta forma, viver com saúde também significará ajudar a manter a saúde do meio ambiente. Desta compreensão, surgem os conceitos de saúde integral e saúde ambiental.

Voltando para as doenças, estima-se, por exemplo, que cerca de 9 % da população mundial sofra de diabetes do tipo 2, que é o mais frequente entre os adultos, por conta destes fatores externos. No Brasil, entre casos diagnosticados e não, seriam cerca de 20 milhões de pessoas (quase três vezes a população catarinense, por exemplo). Infelizmente nossa sociedade tem assumido cada vez mais uma cultura de baixo senso crítico sobre esta relação, não observando os perigos ligados à má alimentação, à vida sedentária, ao estresse e ao pouco contato com a natureza.

Poucos percebem, mas há uma relação muito direta entre a preservação ambiental e a saúde humana, especialmente no tipo de alimentação que escolhemos. Produzir alimentos altamente industrializados gera muito mais impacto ambiental (devastação florestal, degradação e poluição) do que consumi-los in natura. Não bastasse tudo isso, produtos industrializados custam mais caro, proporcionalmente do que aqueles. Quando compramos em embalagens pequenas não nos damos conta do preço que o produto tem por quilograma. Salgadinhos industrializados custam mais caro que picanha, embora comer muita carne também implique em problemas ambientais e de saúde.

Em 2010 aconteceu em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Saúde Ambiental, em que os dois temas foram debatidos por mais de mil pessoas. Tive a oportunidade de estar lá, como delegado por Santa Catarina, e perceber a íntima relação entre equilíbrio ambiental e saúde humana. Infelizmente aquela foi a primeira e única edição.

Dois mitos importantes sobre produção e consumo agrícola precisam ser revistos, entretanto. O primeiro é que o uso per capita de agrotóxicos no Brasil corresponde a cerca de 5 Kg por pessoa por ano, mas apenas uma pequena parte disso é realmente ingerida por nós. Isso não elimina o problema, pois porções ínfimas podem causar danos terríveis ao organismo. Vale lembrar da resiliência dos agrotóxicos no corpo humano. A meia-vida de alguns equivale a milhares de anos, por exemplo. A segunda é a de que o chamado agronegócio produz o alimento que consumimos diariamente. Apenas uma pequena parte realmente vem daí, mas a maior parte é produzida por pequenos agricultores e pescadores, ou por cooperativas. Uma ideia muito interessante é produzir alimentos para si próprio, em hortas e pomares particulares ou públicos, algo que vem crescendo mesmo nas cidades grandes e sobre o qual falarei em outro artigo. Há experiências incríveis neste sentido.

Procure observar nas propagandas que destaque se dá à alimentação saudável e à relação com a proteção ambiental, mas acima de tudo faça uma análise do que você come e o quanto isso favorece ao desenvolvimento de doenças como o diabetes.

Nossa saúde depende de fatores internos que têm a ver com as nossas escolhas e a nossa genética, mas também de fatores externos que podem ser muito variados, mas sobre os quais temos grande governabilidade e podemos optar.

José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental.


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