Opinião | BRICS e Venezuela – Algumas considerações

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Ainda em 2024, o Brasil segue sendo o único país latino-americano aderente ao bloco dos BRICS. A Argentina, sob o governo neoliberal e de Javier Milei desistiu de ingressar na plataforma de defesa da multipolaridade, em um sinal claro de descompasso com as tendências planetárias. O México, pelo menos, tem a justificativa legítima de uma posição geopolítica desfavorável, sendo muito próximo aos EUA e com pouca projeção caribenha.

Para além dos problemas argentinos atuais, porém, que são muitos e só aumentarão com o passar do tempo, chamaram atenção as declarações de Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela, sobre os BRICS.

O Chefe de Estado venezuelano acentuou a importância dos BRICS como plataforma de construção prática da multipolaridade, bem como expressou seu desejo de que a Venezuela venha a ser aceita nos BRICS ao longo deste ano.

Devemos, portanto, refletir sobre a viabilidade e benefício do ingresso da Venezuela no bloco.

Primeiramente, a viabilidade do ingresso da Venezuela nos BRICS certamente depende da não escalada da questão do Essequibo para uma situação de conflito militar aberto e direto. Normalmente, a maior parte das organizações internacionais não compactua com o ingresso de atores envolvidos em guerras.

Ainda assim há alguma margem interpretativa nessa questão, já que a Etiópia se encontra em uma guerra civil, e a Arábia Saudita está engajada em uma intervenção militar no Iêmen – entretanto, essa intervenção não apenas não constitui formalmente uma guerra como se encontra em estágio de pacificação, graças à reaproximação irano-saudita proporcionada pela China.

A disposição venezuelana de costurar a questão do Essequibo pacificamente, portanto, pesa a favor da viabilidade de ingresso do país nos BRICS. O país, ademais, superou diversos intentos de golpes e revoluções coloridas e parece caminhar lenta, mas continuamente, rumo à estabilidade em todos os âmbitos, inclusive no econômico. Quanto maior a estabilidade venezuelana, mais viável é seu ingresso nos BRICS.

Devemos, ainda, pensar sobre a Venezuela em suas peculiaridades geopolíticas e econômicas, e em que medida elas interessam aos BRICS.

Na prática, no que diz respeito à centralidade geopolítica sul-americana, podemos falar em um triângulo cujas pontas são Brasil, Argentina e Venezuela e cujo centro aproximado é a Bolívia (considerada pelas análises inspiradas na ciência geopolítica clássica como o núcleo do Heartland sul-americano).

A Venezuela é um país simultaneamente sul-americano e caribenho, o que lhe possibilita projeção estratégica bidirecional.

Essa é uma característica que a Venezuela partilha com a Colômbia, o que explica ambos países serem pivôs, de lados opostos, na expressão local das disputas entre as grandes potências contemporâneas pelo redesenho da ordem planetária. Em alguma medida, as Guianas também possuem essa característica, mas seu tamanho e recursos menores correspondem também a uma menor agência geopolítica e, assim, a um papel puramente passivo.

A projeção caribenha da Venezuela possui um caráter estratégico importante para os BRICS porque permite desafiar de forma mais ativa a hegemonia estadunidense no Caribe, que tornou-se, na prática, “Mare Nostrum” para os EUA, um Mediterrâneo tropical.

É a dominação inconteste do Caribe pelos EUA que bloqueia as perspectivas geopolíticas do México, de modo que o fortalecimento da projeção caribenha da Venezuela (e seus aliados extracontinentais) aprimora o potencial soberanista mexicano.

Sendo assim, em um sentido geopolítico tradicional, o ingresso da Venezuela nos BRICS ajuda (se esse ingresso implicar também o aumento nas trocas econômicas, culturais, militares, tecnológicas, etc., com os outros parceiros do bloco) a reduzir a projeção de poder dos EUA no Caribe e na América do Sul, sendo de interesse estratégico para todos os partícipes do bloco.

Naturalmente, a Venezuela também é uma peça central na geopolítica energética contemporânea, que se vincula necessariamente com o esforço de desdolarização.

Como sabemos, a partir de Bretton Woods o petrodólar (ou seja, a dependência dos países exportadores do petróleo em relação ao dólar como principal moeda de cotação e troca) tornou-se o eixo monetário do planeta. A base desse sistema era a aliança entre EUA e Arábia Saudita e a pressão ou influência dos EUA sobre os outros países produtores de petróleo.

De modo geral, esse sistema durou incólume até 2022, com o início da operação militar especial e isso por uma multiplicidade de motivos. A Arábia Saudita já estava no pior momento histórico no que concerne suas relações com os EUA em 2021, após o governo dos EUA acusar Mohammed bin Salman de ter envolvimento pessoal no assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, com Biden afirmando que tornaria a Arábia Saudita um pária internacional. 

E enquanto o Ocidente desrespeitava os países árabes petrolíferos e demonstrava sua baixa confiabilidade, Rússia e China já se projetavam na região com projetos e parcerias. É nesse contexto que a absorção de países da OPEP como a Arábia Saudita, o Irã e os Emirados Árabes Unidos se vincula ao esforço de desdolarização e, portanto, desconstrução do petrodólar como eixo econômico-monetário mundial. Com a aproximação e, na prática, fusão não oficial entre BRICS e OPEP, o Fórum dos BRICS, que assumiu, forçado pelas circunstâncias, papel de arquiteto de uma nova ordem multipolar, adquire um incomparável poder sobre o mercado do petróleo. O que seria reforçado pelo ingresso da Venezuela, detentora de quase 20% das reservas do petróleo mundial.

Levando em consideração estes aspectos, e a resiliência venezuelana em um cenário geopolítico hostil, me parece no mínimo salutar a reflexão sobre o ingresso da Venezuela nos BRICS não apenas como um desenvolvimento positivo, mas também fundamental.

Rafael Garcia dos Santos, sociólogo

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