Opinião | Caso Petrobras: faz sentido manter a empresa estatal?

Foto: André Motta de Souza/Agência Petrobras

A Petrobras voltou a ser centro de críticas tanto por parte do governo federal, como da oposição devido aos sucessivos reajustes nos preços da gasolina e do diesel. A companhia é protagonista absoluta no setor de petróleo e gás desde sua fundação em 03 de outubro de 1953, quando entrou em vigor a Lei nº 2.004 que constituiu o monopólio no Brasil para a pesquisa, lavra, refinamento e transporte do petróleo bruto e de seus derivados.

Em 1997, aconteceu a grande mudança de rumo no setor quando foi promulgada a Lei nº 9.478 (“Lei do Petróleo”), que revogou a Lei 2.004/1953 e quebrou o monopólio estatal da Petrobras que perdurou por quatro décadas. Essa lei permitiu às demais empresas petrolíferas, desde que constituídas sob as leis brasileiras, e com sede no Brasil, a atuarem em toda a cadeia produtiva do petróleo, popularmente referida como a operação do “poço ao posto”.

Com o fim do monopólio do setor, em seis anos a produtividade total e de eficiência da Petrobras praticamente duplicou. Estudos econômicos mostram que a ameaça à privatização e à entrada de novas firmas no mercado, promove um aumento na produtividade das empresas públicas, independentemente se a privatização ocorra ou não. Ou seja, a mudança do ambiente competitivo força a uma melhora dos resultados.

Mas, a despeito da abertura do mercado para empresas privadas, a Petrobras ainda predomina como a maior empresa exploradora de petróleo no Brasil. Da mesma forma, embora prevista na legislação desde 1997, a abertura do setor de refino nunca aconteceu na prática, fato que impele a Petrobras a exercer um monopólio que determina preços para todas as distribuidoras que operam no Brasil.

O resultado disso é que a cada mudança no quadro geopolítico doméstico, internacional, ou em ambos, aparecem dezenas de soluções rápidas e simples para resolver os problemas de produção e fornecimento de derivados de petróleo no país e abastecer a população com gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP) popularmente conhecido como gás de cozinha baratos. Esses “especialistas” costumam lançar mão de artifícios e ideias do tipo “É simples. vamos congelar os preços!”.

Mas, a verdade é que o ambiente econômico que envolve o setor de petróleo e gás é complexo e exige atitudes sérias e técnicas, que estão ligadas a diversas variáveis econômicas, e que não se resolvem com canetadas políticas que quase sempre aumentam os gastos do governo. Aliás, no Brasil é comum achar que endividamento público é uma quimera, como se não houvesse escassez de recursos. Uma frase do aclamado economista norte-americano Thomas Sowell ilustra bem essa situação: “A primeira lição da economia é a escassez: nunca há o suficiente de algo para satisfazer plenamente todos aqueles que o desejam. A primeira lição da política é desconsiderar a primeira lição da economia”.

O caso Petrobras na prática é complicado e cheio de conflitos. Para começar, é uma empresa de economia mista, constituída sob a forma de sociedade anônima (S/A) de capital aberto, portanto, com capital privado e público. O governo brasileiro detém o controle acionário representado pelas ações ordinárias (com direito a voto). No entanto, apesar de controlador, o governo tem relativamente, um capital real investido baixo perante o capital privado, que é o grande investidor, haja vista, que a União tem cerca de 37% do total de ações da empresa (ordinárias + preferenciais).

Outro ponto é que, como a Petrobras opera na bolsa de valores do Brasil (B3) e também na Bolsa de Nova Iorque (NYSE), ela deve cumprir os ditames da Lei das S.A. – Sociedades por Ações (1976), da Lei de Responsabilidade das Estatais (2016) que melhorou a estrutura da governança e reduziu o poder do governo para pressionar e interferir nas decisões da empresa. Além disso, o estatuto da companhia determina uma compensação aos acionistas em caso da estatal ser orientada pela União a contribuir para o interesse público e causar eventual prejuízo.

Além do cumprimento dessas leis brasileiras, a Petrobras deve estar em conformidade com a Lei federal norte-americana Sarbanes-Oxley (2002) que estabelece uma série de disposições com finalidade de proteger investidores contra erros contábeis e práticas financeiras fraudulentas. Nesse contexto, a Petrobras está também sujeita a fiscalização e regulação de órgãos fiscalizadores do mercado de capitais do Brasil e dos Estados Unidos, respectivamente, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Securities and Exchange Commission (SEC).

Mas, e qual a responsabilidade da Petrobras em relação ao alto preço dos combustíveis no Brasil? Aí está o cerne do problema. Indo direto ao ponto, o Brasil não é autossuficiente em derivados de petróleo. Atualmente, as refinarias da Petrobras processam algo como 80% da produção. No entanto, o Brasil consome mais derivados do que refina, e importa o restante para suprir sua demanda, que é cerca de 25% do diesel, 15% da gasolina e 27% do GLP consumidos no Brasil. Esse mercado é de livre concorrência, logo, se os preços internos praticados no Brasil não se equipararem aos preços internacionais, nenhum importador privado importará para vender com prejuízo. Isso causará inclusive risco de desabastecimento de combustíveis no Brasil.

A propósito, na última década, a importação de gasolina aumentou quase dez vezes mais, e a de diesel mais que duplicou. Isso ocorreu basicamente, devido ao aumento do consumo e da baixa capacidade das refinarias instaladas no Brasil. Para piorar a situação dos preços na bomba, outras variáveis-chaves que impactam o preço dos combustíveis estão extremamente voláteis: o dólar e preço do petróleo no mercado internacional que estão com tendência de alta.

Temos, portanto, um cenário conturbado, e em permanente ebulição. Não há como postergar mais a expansão do parque de refino no país. Durante a era do Partido dos Trabalhadores (PT) foi anunciado o ambicioso projeto de construção de várias refinarias, mas sem exceção, todas malograram. Ocorreram desde conluios políticos para se locupletarem dessas construções, superfaturamentos de obras, pagamentos de propinas em licitações, atraso e obras inacabadas. As sequelas foram terríveis, visto que algumas nem saíram do papel como a refinaria Premium 1, no Maranhão, que foi abandonada deixando um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões para a Petrobras. Cabe citar ainda como exemplos de corrupção e má gestão, os casos da refinaria Abreu e Lima em Pernambuco, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Importante dizer, que para uma empresa ingressar no setor de refino no Brasil, ela competirá com o gigantismo da Petrobras, que apesar de estar em um processo de desinvestimentos, ainda possui praticamente grande parte dos ativos da infraestrutura petrolífera do país. Além do mais, por que investir no setor de refino, que é uma atividade de capital intensivo e historicamente menos rentável do que a de extração e produção de petróleo.

Além disso, é um setor onde o governo pode interferir nos preços dos combustíveis, como ocorreu no passado durante a gestão PT, especialmente durante o governo Dilma, quando o preço do petróleo e do dólar estavam em alta, e os preços dos combustíveis foram mantidos congelados. Essa política imputou quatro anos de prejuízo para a Petrobras entre 2014 e 2017. O artifício usado foi de quando o barril estava acima de US$ 100, a Petrobras não repassava para os preços dos combustíveis a defasagem da gasolina importada para abastecer o mercado brasileiro que era mais cara.

Como se percebe, o enredo do caso Petrobras é denso e cheio de nuances. O ex-presidente da Petrobras Joaquim Silva e Luna certa feita, afirmou corretamente que “A Petrobras tem responsabilidade social, mas não pode fazer políticas públicas. Ela faz isso através de uma gestão eficiente e entregando resultados”. A esse respeito, cabe destacar que, favorecida pela boa gestão e pelos altos preços do petróleo, entre 2020 e 2021, a Petrobras foi a empresa que obteve maior lucro entre as grandes petroleiras do mundo, multiplicou seu lucro 15 vezes, saindo de R$ 7,1 bilhões para R$ 106,7 bilhões.

Diante do exposto, percebe-se que não é possível para a Petrobras servir a dois senhores – o interesse público e o mercado – ao mesmo tempo. Assim, é plausível afirmar que chegou o momento crucial para se tomar a maior decisão da história da empresa: a Petrobras deve continuar sob controle estatal ou ser privatizada?

1 Comentário

  1. Sr. Jorge Amarro.
    Muito bom artigo. Tecnicamente bem explicado.
    Realmente uma decisão será complicada. Melhor seria mais refinarias.
    O resultado viria a longo prazo.
    Quem tomar essa decisão terá a consideração da maioria do Povo Brasileiro.
    Parabéns pelo artigo.

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