O Mito de Narciso é uma representação grega que narra a trajetória do filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope, o qual se caracteriza por ser bastante belo e frívolo. Narciso, por conta de sua puerilidade e vaidade, foi amaldiçoado a se apaixonar pela sua imagem, refletida na água do lago. Encantado por sua imagem refletida, o filho de Cefiso cai na água que refletia sua imagem, morrendo afogado.
Esta alegoria, resumida aqui em poucas linhas, demonstra o surgimento da palavra narcisismo, que advém do grego, Nárkissos , em português, Narciso. Esta expressão retrata na contemporaneidade o excesso de vaidade, o culto e a grande preocupação com a própria imagem, muito constantemente, representando a total ausência de conteúdo existencial, ou a preocupação com aspectos sociais e comunitários que remetem à noção de empatia, reduzindo-se a uma busca desenfreada por status.
Nesta direção, o contexto educacional demonstra sobremaneira este elemento onde muitos estudantes ficam aflitos quando distantes de seus dispositivos eletrônicos, como se estivessem na ausência ou diante da extração de um de seus órgãos vitais.
Por certo, esta relação com o mundo das redes digitais, muito apropriadamente também seria representado pela alegoria de Argos, que pode ser apresentado em outra oportunidade de maneira mais adequada (valendo mesmo assim a sugestão de leitura).
A referida falta deste tão importante “órgão” (os artefatos eletrônicos que cada vez mais se tornam uma extensão dos corpos), em muitos momentos associa-se ao contexto narcísico, justamente pelo fato de possuir uma grande relação com o culto pela própria imagem. Esta forma de relação, em uma grande quantidade de situações, é demonstrada através da necessidade de ter um enquadramento perfeito em um retrato, que na grande maioria das vezes, não retrata nada além de uma frívola superficialidade e uma necessidade tácita de aceitação a um culto a um modelo artificial e imposto por tendências de mercado.
Esta situação pode ser um elemento que representa um grande obstáculo à vida educacional dos adolescentes, que preocupados com um mundo instantâneo e vazio, cada vez menos se interessam em obter algum conteúdo substancial, que os torne conhecedores de algo sob o ponto de vista científico, artístico, ou mesmo social. Este contexto faz com que o uso de recursos virtuais, em raríssimas vezes, seja um elemento de busca para a apropriação de conhecimento, de conteúdo, sendo na maioria das vezes, uma ferramenta de busca narcisista, onde as pessoas não buscam conhecer o diferente, ou alcançar a descoberta de uma informação que possa ser apreendida e transfigurada em conhecimento de fato, mas a confirmação de seus pontos de vista, uma massagem de ego por meio do algoritmo.
Ser reconhecido, “seguido”, é o grande objetivo, seja para fazer parte de um grupo, portanto não tendo a necessidade de mostrar algum tipo de valor individual sólido dotado de valia real para o convívio entre os demais, ou para desfrutar de uma imagem que atrai a admiração, geralmente, fotografada do melhor ângulo, ocultando aquele traço que as pessoas não gostam em si mesmas, fazendo com que elas estejam mais próximas daquilo que consideram como aparência ideal.
Muito certamente todos já viram alguém que, com o interesse de parecer ideal, é visto fazendo caras e bocas diante do celular, buscando a melhor representação de si em uma “selfie”, ou ainda, aquela foto tirada com amigos ou familiares, onde se houve, “vamos tirar mais uma para garantir”, ou ainda, “tira de novo”, “eu pisquei”, fazendo com que a espontaneidade evapore totalmente, e com ela, muitas vezes também o real significado daquele momento.
Esta reflexão transcorre sem ainda falar sobre as possibilidades de filtros, e toda sorte de elementos que podem adulterar a imagem, dando contornos mais próximo daquilo que se idealiza, pondo a realidade em segundo plano.
Parece que esta face da Alegoria de Narciso, representada ao seu modo na contemporaneidade, se torna um elemento de grande desafio para a construção de uma relação mais sólida com o conhecimento, visto que a necessidade de promover a imagem, não somente representa um aspecto superficial e sem conteúdo do ser humano, mas também uma negação da possibilidade de conhecimento do outro, do diferente, de algo ou alguém que agregue a partir de exemplos e informações que propiciem a possibilidade de reflexão, mudança de hábitos e descobertas sobre coisas novas que possam, de modo crível, nos apresentar perante o contexto social onde nos inserimos como elementos portadores de capacidades, competências e posicionamentos éticos distintos que nos faça, de fato, merecer a atenção e, eventualmente, atrair “seguidores”.
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