“Como a memória é feita de símbolos, estes símbolos deveriam ser identificados e preservados, sejam eles de valor artístico, histórico, cultural ou afetivo. Em tese, a identificação de símbolos nas cidades deveria contemplar todas as épocas, todas as etnias e todos os grupos sociais, pois é justamente no contexto urbano que todos estes fatores se encontram, independentemente de suas dimensões físicas, onde a sua história permanece viva e a sua paisagem cada vez mais modificada e repleta de símbolos.”
Artigo de Ricardo José Brügger Cardoso: Centros Históricos e seus desafios contemporâneos.
Qual cidade queremos?
Morar, celebrar, aprender, ser feliz, evoluir, se relacionar com o diferente, amadurecer, estar saudável… uma cidade que seja melhor que a atual, que possa oferecer tudo isso para todos, da forma mais justa, democrática, inclusiva, fraterna e igualitária possível. Mas não há resposta pronta, precisamos construir melhor a própria pergunta, debater mais, pensar mais, trabalhar mais. Gosto de pensar que todos querem uma cidade melhor para seus filhos, que todos acreditam nisso, o que nos separa é a forma de atingir esse objetivo, a visão do caminho para chegar lá.
Nesta última semana a principal discussão em Blumenau foi a aprovação, pelo Conselho de Patrimônio Histórico, da construção de uma mega loja da Havan no Centro Histórico, uma loja igual às demais 155 lojas pensadas e projetadas para chamar a atenção e causar impacto às margens das rodovias federais e estaduais pelo Brasil a fora. Mas por que a polêmica? Por que a cidade se dividiu em torno desse tema e dessa decisão do Conselho?
Em primeiro lugar é preciso lembrar que estamos falando do nosso Centro Histórico, o local onde chegaram os primeiros imigrantes em 1850, onde a cidade nasceu e começou a se desenvolver. Um local com um forte simbolismo, desde a curva do rio, a rua das palmeiras, o Museu da Família Colonial, o Mausoléu, o cemitério dos gatos, a Igreja Luterana (uma das mais belas do país) e várias edificações históricas existentes. Um lugar que é a recepção e sala de estar do Centro da cidade, integrado à este e aos bairros vizinhos; um lugar com enorme potencial para se tornar atrativo, vivo, vital, diverso, movimentado e um dos principais atrativos turísticos do Vale do Itajaí. Mas para isso ele precisa ser reconhecido, planejado, recuperado, valorizado e revitalizado, uma responsabilidade de toda a sociedade e investimento do poder público e iniciativa privada. Não é um local qualquer da cidade, não é a margem de uma rodovia, não é um trevo rodoviário qualquer, não é um bairro residencial novo que está sendo construído e criando sua identidade. Separar as coisas e compreender que o interesse coletivo e público estão acima do individual e privado, apesar de que o papel da legislação e dos conselhos deliberativos, é exatamente esse, buscar o equilíbrio entre estes dois pólos opostos da sociedade.
Então o ponto é esse, empregos, investimentos e novos empreendimentos são bem vindos e devem ser celebrados em Blumenau, desde que adequados às características ambientais, urbanas, estéticas, culturais e históricas de cada local, ao interesse da sociedade como um todo, que às vezes tem dificuldade de se expor e apresentar sua opinião. No século XXI não se trata mais de evitar ou mitigar os impactos negativos de um novo empreendimento, mas de apresentar e provar os impactos positivos a serem gerados para toda a sociedade e futuras gerações.
Neste sentido a Havan poderia aproveitar seu objetivo e apresentar um novo conceito para suas lojas inseridas em centros históricos e urbanos das cidades brasileiras. Com um projeto de arquitetura inteligente, sensível, dialogando com a sociedade e poder público, com as bordas vivas e lojas menores integradas, com cafés, floriculturas, livrarias, conveniências, charcutarias, cervejarias, espaços gourmets papelarias, mini praças, parques lineares públicos margeando a beiro do Ribeirão Fresco até a Prainha reurbanizada; incentivando outros empresários para recuperarem os edifícios históricos com incentivos fiscais e municipais. Criar espaços para artesãos, artistas, músicos, poetas, feirinhas livres na praça, feiras de antiguidade, atrair pessoas para todo o Centro Histórico, atrair turistas para um novo espaço vivo e inteligente. Ciclovias, bicicletários, arborização urbana, parques lineares, uma operação urbana consorciada, uma PPP, com apoio e investimento do poder público municipal e estadual, fazendo com que nosso Centro Histórico seja um vetor sustentável, permanente, duradouro e efetivo de geração de empregos qualificados e bem pagos.
Eu aplaudiria e apoiaria, como sempre elogiei a inteligente e sensível revitalização promovida pela Havan no antigo Castelinho da Moellmann. Haveria várias cidades querendo atrair o Novo Projeto Havan para seus lugares mais diletos, mais sensíveis, mais interessantes, pois dentro dessa visão, iria agregar, valorizar e criar sinergia entre o patrimônio histórico, a memória e o dinamismo econômico; ampliar a atratividade de turistas e se consolidar como cidades criativas para as pessoas no século XXI.
Seria muito bem vindo ao nosso Centro Histórico! Poderia manter a estratégia que o fez crescer tanto, ganhar tanto dinheiro, que são suas cópias de plástico branco da sede do governo federal estadunidense, de Washington; inclusive com a estátua principal de Nova York fake, nas beiras das rodovias e trevos de acesso.
Vale a pena debater, pensar e lutar pela cidade que sonhamos, que queremos morar e viver, sempre melhorando e pensando nas futuras gerações, que vão querer saber qual foi o resultado desta polêmica, desta decisão e como será nosso Centro Histórico.
Seja o primeiro a comentar