As eleições municipais oferecem o direito de escolher nossos melhores administradores e legisladores. Pensando no tipo ideal de prefeito, vereador e eleitor, a maioria de nós espera deles o que, grosso modo, prometem: muita eficiência e pouca desonestidade. Deixando de lado muita conversa sobre a relativização disso, sabemos que essas duas exigências ficam aquém do cumprimento dos mandatos e uma das razões é a falta de descentralização republicana.
Há um gap enorme entre o que candidatos prometem e eleitos cumprem. Ora, de modo geral, não dá pra falar simplesmente em falta de competência, de informação, muito menos em falta de inteligência de governantes e legisladores. O nível de informação legal, técnica e criativa à disposição invalida esse argumento vulgar. Acontece que, pagas as despesas obrigatórias, restam dívidas e faltam recursos para investimentos. Não ignoremos a malversação, mas há uma razão maior: falta descentralizar (mais Brasil e menos Brasília, lembras?).
A descentralização implica em autonomia para decidir e recursos para realizar. Dessa condição se ressente a maioria dos municípios, que não tem o suficiente para investir no desenvolvimento. Cumpridas as obrigações com saúde, educação e folha de pagamentos, o jeito é estender o chapéu ao governo federal. O paradoxo disso é que o Município pede o que lhe é devido como fosse esmola. É medieval, porque é a condição do súdito, que sustenta a nobreza patrimonialista, e não do ente republicano que tem direitos no pacto federativo.
Não há outra razão evidente a explicar por que uma cidade como Blumenau ou uma como Canoinhas levam uma década ou duas para reformar ou construir uma simples ponte. É por isso que a duplicação da 470 prometida para 2020 será entregue em 2040. É falta de descentralização republicana dos recursos produzidos no Município e canalizados para o sustento do Estado patrimonialista brasileiro, que gasta R$ 63 milhões por ano com auxílio paletó e R$ 415 milhões com auxílio toga. Tá aí a ponte, a 470 e a promessa não cumprida.
Quando a Constituição de 1988 foi promulgada, encarnava o “espírito” republicano da descentralização, teoricamente em sintonia com o mundo civilizado. Na prática, o que houve foi desconcentração, que significa transferência de responsabilidades administrativas. Enquanto a descentralização significa mais recursos, a desconcentração significa mais responsabilidades. O desequilíbrio no cumprimento das responsabilidades e encargos entre os entes federativos é a grande queixa da Federação Catarinense dos Municípios – Fecam e da Confederação Nacional de Municípios – CNM.
Do ponto de vista governamental, Santa Catarina foi pioneira num processo de descentralização, iniciado em 2003 e, perdoem a opinião, estupidamente interrompido 13 anos depois. Havia falhas e a característica geral era a de um processo mais desconcentrador do que descentralizador de fato – meia verdade. O fato é que a desconcentração era o primeiro passo e o segundo viria com o tempo, não fosse a força reacionária e centralista que redunda nas soluções de continuidade da antropologia política brasileira.
É verdade que o eleitor médio não tem interesse nesse tipo de discussão de fundo. Se tivesse, o pacto federativo brasileiro já teria alterado o desequilíbrio entre os entes federativos. Por enquanto, continuamos achando que é mais importante eleger um presidente do que apoiar nossos municípios em defesa de menos dependência de quem quer que seja esse presidente. O atual governo prometeu, o ministro da Economia parecia sincero, mas aí veio a pandemia. Mesmo depois dela, esqueça-se essa promessa e tema-se pelo contrário.
Não parece haver razões constitucionais que impeçam a premiação de governos municipais eficientes com mais recursos. Se poderia compensar o esforço de eficiência municipal com o uso de índices que acompanhassem as boas gestões. A cada ano de boas práticas, um certo percentual da distribuição do bolo orçamentário seria retido ou devolvido. Mas enquanto o eleitor não compreender que a descentralização é o meio das nações desenvolvidas, não compreenderá o gap entre o dito e o feito. Continuará acreditando que o presidente é mais importante que o prefeito e que a salvação vem de Brasília e não do seu Município.
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