Raramente acompanho as redes sociais para reforçar minhas opiniões. É claro, me disciplino, porque a tentação é grande. Se me deixo levar pelas bolhas das redes sociais, isso contribui pouco na formação do meu raciocínio. Então, acompanho as redes sociais a fim de entender o que e como as pessoas pensam politicamente. A constatação é que há um pensamento disruptivo, sobreposto ao pensamento sistêmico. A dúvida é quanto à capacidade de influenciarem multidões? A convicção é de que livros (e agregados) serão a nossa salvação.
Nos dicionários, disrupção tem a ver com interrupção de um curso normal de acontecimentos, uma solução de continuidade. Na eletricidade, é uma recarga, que causa faísca e desperdiça enorme quantidade de energia. Já, o significado de sistema tem a ver com um conjunto conectado de elementos que, bem ajustados, permitem o curso normal dos acontecimentos, gerando o equilíbrio e o bom funcionamento do conjunto.
Quando presenciamos as polêmicas na internet, percebemos a disrupção, que se acentua na medida em que todos têm liberdade de se expressar e se sentem protegidos e respaldados por outros que pensam do mesmo modo. Embora as extremidades da ferradura estejam mais próximas entre si do que com o meio, elas afastam possibilidades de conexão. E isso acentua a impressão de que a Sociedade é predominantemente conflitiva e maniqueísta, exigindo escolhas disruptivas.
Pior: temos aquela sensação de negatividade, contrária ao otimismo, o que leva muitas pessoas a desacreditarem do ser humano e, no extremo, se tornarem misantropos que preferem os animais. Os extremistas são minorias, mas causam barulho. Mexem com a psicologia do caboclo, que pode passar o dia inteiro recebendo dezenas de cumprimentos, sorrisos e elogios e, no fim da jornada, ser porcamente destratado por um insignificante que lhe estragou o dia.
Então, esquecemos tudo de bom que nos aconteceu durante o dia, a semana, o mês e chegamos à conclusão de que a vida é uma M e o ser humano não presta. Não percebemos toda a magnitude da vida em coletividade e de tudo que conseguimos com base na conexão demasiadamente humana de coisas falsamente contraditórias como competição e cooperação, individualismo e coletivismo, vaidade e humildade, ambição e altruísmo, trabalho e lazer, tradição e progresso e assim por diante. No lugar das conexões, enxergamos o colapso.
Como deixamos de ver o lado bom, mas precisamos sobreviver, procuramos uma tribo e a encontramos em alguma bolha da net. A partir daí, nos tornamos fascistas ou comunistas (sic), progressistas ou genocidas, reacionários ou revolucionários. Escolhemos entre a vacina e o “meu corpo, minhas regras”, o meio ambiente e o progresso, a tradição e a perversão etc. Com isso, substituímos convívio da aparentemente insuportável vida em Sociedade pela vida confortável das bolhas em que não preciso conviver com as opiniões dos que me afetam.
Nessa meio, não há meio termo, não há fatores de conexão e convergência para com os diferentes. Pouco se percebem os fatores que conectam pessoas e acontecimentos e permitem o convívio social. As conflagrações potenciadas pelas bolhas da net realmente causam ruídos, talvez mais do que cismas. De todo modo, dificultam a compreensão sistêmica, isto é, a de que vivemos em ambientes integrados que compõe ambientes maiores e, quanto maior a compreensão e atuação nessa perspectiva, maiores as chances de evolução.
Num momento como as eleições de 2022, que, de algum modo, conectará o Brasil inteiro, qual a influência do pensamento disruptivo nas eleições de 2022? Taí uma pergunta difícil de responder. A impressão é de disrupção, de volta a um passado que não quer passar, involutivo, reacionário. Me faz lembrar o engenheiro Leonel Brizola (1992-2004), quando dizia que entre o diabo e o coisa ruim, o inferno ganha sempre. Parece que a mula empacou e a guerra fria voltou, quebrando um pensamento em curso voltado ao futuro e ao desenvolvimento.
Essa é a pergunta que me desafiarei a responder nesta Coluna “O Brasil como nos parece”.
Interessante paradoxo: compare-se, de um lado, uma pessoa lendo um livro e, do outro, a multidão opinando nas redes sociais. Uma pessoa lendo um livro qualquer, estabelece importantes conexões com o Mundo. No segundo caso, milhões de pessoas estão rompendo laços. É claro, elas estão conectadas em suas bolhas, mas afastadas da Sociedade e desconectadas do futuro do País. E, pensando no futuro da Nação, dizia Monteiro Lobato (1882-1948) que o Brasil “precisa de homens e livros”, pra conectá-los entre si e às boas ideias.
Livros e bons artigos, tanto quanto matérias de jornal, conectam as pessoas com o Mundo. Redes sociais compartilham muita coisa importante, apesar das divisões entre o bem e o mal. Um livro é uma janela para um sistema cognitivo, o que implica harmonia, coerência e aprendizado. Já as redes sociais abriram as portas do inferno, onde a conflagração e a mentira correm soltas. Teremos de sobreviver à carnificina virtual inerente às próximas eleições. A conflagração será inevitável, o debate também e é possível que o pensamento disruptivo prevaleça e o inferno ganhe.
Depois, evoluiremos, permitindo que a carroça ande enquanto as melancias vão se ajeitando. Então, Educação e livros e todos os recursos informacionais e interativos poderão nos ajudar no esforço de um pensamento mais integrado, voltado à cooperação e ao desenvolvimento. Porque, a maior convicção de todas é também o maior anseio da humanidade: precisaremos de paz e cooperação para o desenvolvimento e isso implica numa Educação capaz de nos fazer entender as conexões sistêmicas para o Mundo 6G, 7G e sei lá o que mais que nos fará ir em frente ao invés de empacar.
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