Opinião | Esmola para os excluídos: um exercício de cidadania!

Foto: divulgação

“Tudo que acontece dentro de uma cidade é responsabilidade do chefe que está no comando. Para os méritos ou não. É como em nossa casa: se algo quebrou ou se alguém que mora debaixo do mesmo teto que você precisa de ajuda, o dever em arrumar, reformar, expandir, de acolher é daquele que lidera o ambiente. Não tem discussão! Ninguém deixa de estender a mão para um dos seus. Em um município, eu entendo, não pode existir espaço para uma representação diferente de nossa casa”.

Fevereiro será, para sempre, um mês de lembrar com saudades de um amigo que, se vivo estivesse (faz pouco que partiu, já parece uma eternidade, pois sua falta é sentida diariamente) comemoraria mais um aniversário. As aspas que abrem este texto é de um recorte de 2010, uma conversa na antiga rádio Nereu Ramos, do engenheiro extremamente direto nas palavras, rigoroso nas soluções e caridoso no tramento com as pessoas, Paulo França.

Infelizmente, preciso reconhecer, atualmente muitos de nossos líderes não têm compreendido da mesma maneira que ele encarava esta responsabilidade política, social e diria até civilizatória. A rua é a casa de muitos daqueles que o acaso roubou a esperança. Nem um humano nasce doente de viver humilhado sem teto, pedinte, pobre, dependente químico. É preciso bom coração para assumir a liderança e evitar que as pessoas mais vulneráveis – que precisam de ajuda – acabem sofrendo as consequências. Alimentar o desprezo, a discriminação, de certa maneira é estimular até mesmo a violência nas muitas cidades brasileiras, incluindo Blumenau.

A aporofobia, ou o medo e o ódio à pobreza, é um fenômeno preocupante e crescente na sociedade. Mais que uma palavra nova, reconhece uma falha dentro das comunidades. A luta política deve ser no sentido de, por novas leis, criminalizar duramente quem comete a barbárie de pisar no fiapo de força, no pedido de auxílio, na dignidade do irmão. Muitos, no lugar do apoio e compaixão, ofertam a rejeição e perseguição daqueles que enfrentam dificuldades econômicas, emocionais, comportamentais. Uma atitude injusta e cruel que só perpetua a desigualdade e o sofrimento.

Estender a mão aos necessitados e ajudá-los a superar suas dificuldades é uma urgência de toda sociedade, com o poder público à frente, oferecendo uma pauta acolhedora e participativa para comunidade. No caminho oposto, alguns tem defendido que as esmolas não devem ser dadas aos necessitados. Esse é um posicionamento no mínimo equivocado e insensível, que ignora a realidade da pobreza e a responsabilidade de cuidar de todas as pessoas da cidade. Em vez de proibir a ajuda, precisamos criar políticas e programas que ajudem a erradicar este problema da exclusão social. Gostaria muito de ler, assistir e ouvir mais sobre estas iniciativas em Blumenau, que avancem além do recolhimento sumário de quem vagueia sem rumo.

A maldade de cegar o olhar carinhoso para outros caminhos, horizontes distintos, fez do país, de nossa cidade, um espaço difícil para uma grande quantidade de pessoas que enfrentam dificuldades econômicas, sociais e pessoais. Alguns perderam seus empregos, enfrentam problemas de saúde, outras ainda sofrem com a falta de apoio familiar. O resultado é que muitos acabam tropeçando na desgraça de sub-viver, como resto de humanos nas vias das cidades.

A venda de uma bala no farol, o pedido de uma moeda para curar a mais urgente dor, e tantos outros exemplos, revelam o grito de alguém que clama por atenção, intervenção e novas oportunidades. Nestes momentos eu lembro do que disse em uma entrevista o Padre Júlio Lancellotti, que “a caridade cristã é a mais profunda forma de humanidade”. A caridade é uma das bases da religião cristã e negá-la significa negar um dos mandamentos mais importantes da fé.

E sem nem mesmo a fé concorda com o gelo que toca o coração dos não generosos, a ciência também une argumentos contra a medida de não dar esmola aos moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade. Os cientistas sociais refutam as medidas e acrescentam que a ajuda financeira individual é importante para a sobrevivência imediata dessas pessoas. Mesmo a caridade não sendo uma solução para a pobreza e a exclusão social, é uma forma de mostrar compaixão e humanidade para os mais vulneráveis, o que pode fazer uma diferença decisiva em suas vidas no curto prazo.

Diversos cientistas sociais têm se posicionado contra a proibição de esmolas. Eles argumentam que essa medida não resolve o problema da pobreza e da exclusão social e, ao invés disso, agrava a situação dessas pessoas. O sociólogo Marcelo Paixão, por exemplo, afirma que proibir a esmola é “criminalizar a solidariedade”. E, em outras palavras, o antropólogo Roberto DaMatta vai além, argumentando que uma medida desta natureza busca, na verdade, retirar do Estado a responsabilidade do problema da pobreza e vulnerabilidade.

Em vez de uma abordagem excludente, precisamos avançar em direção a políticas públicas que garantam o direito à dignidade e à inclusão social para todos. Como cidadãos, temos o dever de estender a mão a quem precisa, mas também de exigir do poder público uma atuação mais efetiva e inclusiva para os excluídos.

Tarciso Souza, Jornalista e Empresário.

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