Opinião: ficando para trás

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No livro “Ficando para trás”, o sociólogo nipo-americano Francis Fukuyama organiza uma coletânea de artigos de política comparada a fim de responder por que diabos a América Latina menos anda do que patina! O livro apresenta pérolas hipotéticas e comprovações estatísticas, comparando sul e norte americanos e asiáticos. Noves fora, os autores apostam nas instituições de longo prazo em resposta aos salvadores da pátria. Isso nos permite um insight por uma Educação ao desenvolvimento, pela conjunção sistêmica entre Educação-economia-política.

A ideia é devagar e sempre, no lugar das grandes apostas a cada eleição. E Não será possível avançar aos poucos e sustentavelmente enquanto não estabelecermos o consenso número 1: Educação. E não é qualquer tipo. A rigor, já temos um respeitável sistema educacional no País, dividido em especificidades subnacionais e unificado por princípios nacionais. Estes, atualizados em 2017, estão reunidos e detalhados na Base Nacional Comum Curricular – BNCC.

Trata-se do documento norteador da Educação brasileira, comprometido com os dois objetivos gerais formativos, quais sejam, 1) a formação para a cidadania e 2) para o trabalho, atrelados ao projeto de vida de cada aluno. Com tudo que se deva dizer sobre a BNCC, aproveito a ocasião para focar em um ponto que oferece luzes ao tipo de Educação que teremos de desenhar: uma Educação para o desenvolvimento, representação necessária de uma instituição de longo prazo.

É uma Educação baseada em princípios gerais e com foco no local-regional. Os princípios gerais são todos aqueles direcionados ao bem-estar físico, mental e sustentável global, que reconectem a Educação com a economia e a política. O foco no local-regional diz respeito à preservação da diversidade cultural e à potenciação dos indivíduos em Comunidade. O objetivo de longo prazo é livrarmo-nos de governos patrimonialistas, pra não cair mais nas ladainhas antirrepublicanas do atraso, como de costume na América Latina.

Esse é o tipo de Educação que precisamos materializar e não cabem só diretrizes pré-estabelecidas pela intelectualidade do eixo Rio-São Paulo-Brasília. Nesse sentido, a BNCC é um documento flexível e até enfático na preocupação com as realidades locais-regionais. Pedagogicamente, recomenda a mudança de uma Educação passiva, monológica e fragmentada para o protagonismo estudantil e interdisciplinar que ativará os impulsos locais-regionais a partir da Educação.

E aqui vai uma crítica ao sistema atual, entre as várias que pretendo apontar ao longo dos artigos desta Coluna: o pensamento hegemônico na Educação brasileira insiste em atribuir as causas das mazelas sociais ao capitalismo, como se estivéssemos no século XIX e a redenção da Humanidade parecia ser o socialismo. Tinha sentido. Hoje, a honestidade nos obriga a reconhecer que o problema está nas instituições políticas e a solução virá das devidas conexões entre Educação, política e economia.

Embora isso seja complexo, precisamos resumir a ideia. Preceituada na BNCC, a Educação do século XXI precisa potenciar 1) as aptidões individuais para uma vida altamente produtiva, 2) a competência para a cooperação, 3) a habilidade de dialogar e 4) de lidar com adversidades e mudanças. Em sintonia com os da OCDE e da Unesco, a Educação precisa materializar tais pressupostos a partir das ideias e através da metodologia.

Então, as conexões entre Educação, economia e política serão refeitas. Na perspectiva política, agentes educacionais, econômicos e políticos, incluindo a Sociedade organizada, precisam dialogar. Há um tesouro a ser descoberto, a que chamamos capital social, resumido na capacidade dialógica e cooperativa para resolver grandes problemas. É quando educadores, empresários, trabalhadores e governos se agregam pra gerar soluções de amplo interesse republicano.

E os educadores precisam fazer a sua parte no sentido de perceber e praticar essas conexões no processo de ensino-aprendizagem. Noves fora: chega de procurar chifre em cabeça de cavalo. O que a Educação precisa é mudar o método e o foco, o que se traduz 1) na interdisciplinaridade, que leva à compreensão sistêmica da realidade e 2) foco não só em apontar problemas, mas em gerar soluções. Não dá mais pra pensar uma Educação descolada das necessidades produtivas – formação de capital humano – e cívicas – de capital social.

Só pra citar um exemplo de compreensão sistêmica, a BNCC introduziu a recomendação de Educação fiscal (entre outras fundamentais). Atualmente, motivar estudantes brasileiros a entender as finanças públicas é uma exceção. Quando for regra, brasileiros entenderão de onde o governo tira dinheiro para duplicar o auxílio às famílias pobres. A partir daí, começaremos a pensar em como constituir instituições de longo prazo que regulem isso ao interesse republicano e não eleitoral.

Estudantes brasileiros precisam aprender que dinheiro não nasce das árvores dos jardins de Brasília. Precisam exercitar o pensamento sistêmico pra entender que patrimônio, políticas e salários públicos vêm do trabalho empreendedor, que requer altos níveis de educação a sustentar o Estado de bem estar que precisamos preservar. Entenderão que, quando governos caloteiam contratos de precatórios, é o que chamamos de “pedaladas fiscais”, aquelas que justificaram o impeachment da Tia Dilma.

Quando ouvem falar em “orçamento secreto”, estudantes do nosso querido Brasil têm o direito de saber que é uma versão do “toma lá, dá cá”, o jeito de o Executivo “comprar” o “centrão”. Saberiam que não há distinção essencial entre isso e o “mensalão” do PT. Aprenderiam que é, com nosso dinheiro, uma chantagem de via dupla que perpetua o atraso. Conheceriam o significado da palavra “superfaturamento”, desdobramento do patrimonialismo, nosso conceito-chave, revelador das origens de nossas instituições políticas.

Estudantes brasileiros entenderiam que calote é desrespeito à propriedade privada e à confiança, instituições do capitalismo desenvolvido. Gerando desconfiança, governos se obrigam a aumentar a taxa de juros, endividando mais o país. E governos gastadores inflacionam, inibem crescimento, extinguem empregos e empreendimentos. Endividam as gerações futuras, eliminando oportunidades que terão de buscar fora do País.

Quando governos envergonham o País mundo a fora, precisamos aprender a nos perguntar, desde a Escola, o que os outros pensam de nós. Um povo que não se pergunta isso, nunca atingirá a potência que pode ser – e o mesmo vale a cada indivíduo. Mas uma coisa é certa: As cabeçadas do Brasil estão relacionadas às suas instituições patrimonialistas e a governos inconsequentes, amparados pela nossa ignorância ou conivência.  Por isso temos menos tecnologias, menos capital humano e social, somos produtivamente inferiores e patinamos morro acima.

Dito isso, é preciso insistir no “devagar e sempre” das instituições de longo prazo e a Educação é a principal delas. Uma Educação para o desenvolvimento, com foco no local-regional, predominantemente interdisciplinar e focada em gerar soluções. Ao chamado “pensamento crítico” da Educação, cabe estudar nossas instituições patrimonialistas, formais (leis) e informais (costumes). Isso iluminará professores honestos a ensinar a seus alunos o porquê do “entra e sai governo” e tudo muda pra continuar igual.

Por fim, entender que nossos problemas estão relacionados ao patrimonialismo das instituições é a maneira sistêmica de desenrolar o fio que nos conduz ribanceira baixo em plena luz do dia. O resto é conversa de bicho grilo no boteco. Entender que a solução começa por apostar na Educação – e suas interdependências quase mágicas com a economia e a política – é a maneira sistêmica de compreender como gerar o desenvolvimento. O resto é falta de compromisso com o futuro de nossas crianças. E elas nos cobrarão por isso.

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