“Não ajude: deixe morrer!” Em uma simples frase, o colunista do Uol, Leonardo Sakamoto, reúne a síntese das perversas propostas feitas por diversos políticos brasileiros como solução para doentes e moradores de rua. Seria surreal se não estapeasse com golpes duros de realidade, o óbvio, diante de nossa cara: vivemos tempos no mínimo sombrios e estranhos. Pior, todas estas contradições grotescas ficam ainda mais evidente ao observar que, muitas vezes, são os ditos defensores da moral e dos bons costumes, o fervor religioso, aqueles que se proclamam devotos de preceitos cristãos, que estão na linha de frente das iniciativas contra a caridade.
A semana foi pesada para todos que embarcam nas pautas humanistas, especialmente relacionadas ao povo de rua. A aporofobia – ou como diria o personagem Caco Antibes “ódio e nojo de pobre” – amassou o pão com a bunda do diabo em muitas cidades do Brasil. Em São Paulo, um vereador tentou aprovar um projeto de lei com previsão de multa contra aqueles que ousam distribuir alimentos aos pobres e moradores de rua. Em Blumenau, justo na semana que o judiciário definia a pena para o assassino de Giovane Ferreira da Silva de Oliveira, o homem de rua morto na porta de um supermercado, a Prefeitura espalhou placas contra a caridade.
Tudo isso é uma afronta à própria essência do que deveria ser o papel do poder público: garantir o mínimo de dignidade para todos. Ao invés de cumprir essa missão, tentam impedir que boas almas suprimam a fome dos necessitados, em um ato de perversidade sem igual.
É impossível dourar a pílula. Estes atos representam uma perseguição aos mais necessitados, uma política higienista e desumana. Não há glória em estar nos semáforos, em mendigar ou vender balas. O corpo que está ali não é de um empreendedor, tão pouco de um concorrente do comércio local. A luta do farrapo de gente é por sua sobrevivência. É triste e revoltante a falta de empatia exercida por certos políticos. Como disse Sakamoto, para estes é como se ao ver uma pessoa em
dificuldade a solução seria virar o rosto e gritar: “não ajude, deixe morrer!”
Essa lógica, de repetir e estimular um “esmola não”, nos remete a um regime alemão cruel, que ainda encontra adeptos em Blumenau, que desumanizava indivíduos, tratando-os como criaturas repulsivas. Como aconteceu na Alemanha, estas medidas transformam os mais vulneráveis em não-sujeitos, em não-humanos, equiparando-os a animais que causam nojo, como ratos. É um higienismo brutal que mascara o desprezo como política pública.
Já escrevi inúmeras vezes sobre este tema. Não por prazer! A minha ligação não cabe em uma crônica. Não existe apenas uma solução para os problemas da população de rua. A resposta é bastante complexa, custosa, multifacetada e não costuma agradar o poder econômico. A especulação imobiliária tem um peso imenso neste caminho. A enorme disparidade econômica e social são fatores preponderantes que merecem toda atenção. No entanto, negar alimento, estender a mão a um irmão é desumano e não compõe o cardápio de opções disponíveis para alterar a situação de que tem fome ou necessita de ajuda.
A falsa ideia de que ao deixar o dependente, por exemplo, totalmente à mercê do governo ele será mais facilmente “adestrado” e retirado das ruas já foi desmentida pela academia. As evidências e experiências mais eficazes de amparo aos moradores de rua são aquelas que praticam justamente o caminho oposto, criam vínculos de confiança e encontram no alimento a principal porta para esta proximidade. Oferecer um prato de comida é como dizer: “ei, humano, você é importante para mim!”.
Estas medidas que políticos populistas e sem coração vivem a tagarelar faz pensar o que seria de Jesus se voltasse, nos dias de hoje, para o Brasil. Certamente a marcha a Ele seria para recriminar suas ações. Afinal, quando andou na terra estava com os pobres, doentes e leprosos, justamente aqueles que os administradores de muitas cidades gostariam que ignorássemos.
É impressionante como a população aceita passivamente o tratamento desumano das prefeituras e seus incumbentes. Fico perplexo! A solução atual da nossa sociedade para moradores de rua e drogadição é pau, porrada e bomba. Um tanto de descaso e desprezo, como se isso bastasse para resolver o problema. Parece até que estas medidas já não foram repetidas inúmeras vezes em grandes centros urbanos, como São Paulo. O que revela uma burrice ingênua e gritante, adotando medidas draconianas.
Os humanistas que se alinham com a causa dos moradores de rua sabem que sem uma nova postura do poder público, essa situação persistirá. Tião Galinha, personagem da novela “Renascer”, costuma argumentar, diante do sofrimento da trama, “eu não luto para vencer; eu sei que vou perder. Eu luto para ser fiel até o fim”. Resistir é ser fiel aos princípios de luta e auxílio aos que mais precisam. Como diz o Padre Júlio Lancellotti, “quando você leva comida na rua para alguém que está abandonado, você está dizendo: – tua vida importa pra mim.”
Para muitos moradores de rua, o alimento é a única alegria do dia, do que resta de uma vida. Insisto: negar comida ou ajuda para eles é reduzi-los ao absoluto nada. Compartilhar o sofrimento e doar um pouco de amor pode transformar realidades. Por isso, sigo com as palavras do Padre Júlio Lancellotti, que desperta a consciência que “alimentar aqueles que o sistema mata de fome, que o sistema nega comida, é um ato de subversão e revolucionário numa ordem injusta.”
Cada um enfrenta seus próprios demónios que tranca internamente ou libera para sociedade. Eu, o que sei, é que digam o que for, serei um subversivo e revolucionário até o final dos meus dias.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
Confortante ler um artigo que demonstra humanidade e o verdadeiro amor ao próximo.
Como é fácil, com uma caneta na mão, descrever só um lado da moeda.
Não mencionou que existem espaços para a acolher essas pessoas, que a maioria não quer esse benefício.
Não mencionou as drogas, a prostituição, a promiscuidade, os interesses que rola nesses ambientes e, como disse acima maioria não quer mudanças.
Falou da Alemanha, de Blumenau, só para média, será?
Não mencionou que o seu Presidente não gosta de pobres.
Fico por aí…
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