Opinião | Não somos ainda uma nação

Foto: reprodução

A imensa maré de lama que envolve políticos na recém aprovada PEC dos Benefícios, a violência policial estampada pelas telas de TV, a partir do horripilante estupro de parturientes vulneráveis, as negociações que jogam candidatos em negociações escandalosas, a gestão sem rumo, a administração federal entregue à volúpia dos donos do poder, fazem parte do mesmo tecido institucional: o do Brasil das trevas, o Brasil sob máscara, o Brasil das milícias.

A PEC dos Benefícios contém um estratagema: a aprovação de estado de emergência. Em outras palavras, será permitido ao governante adotar medidas extremas para ajudar as massas carentes, significando isso orçamentos extraordinários, inserção de milhões de famílias nos pacotes assistenciais, estouro das contas públicas. Não se pode deixar à mingua populações famintas, hoje somando quase 50 milhões de brasileiros. Mas, por que só agora a pouco menos de três meses das eleições? Cooptar eleitor com a sopa do assistencialismo é crime. Daí a necessidade de se aprovar uma PEC para driblar a ordem constitucional.

Desse modo, realizaremos uma eleição com artifícios e ferramentas de pressão. O Brasil mascarado irá às urnas. E em sua caminhada, carregará, a par de gente séria (temos de admitir que ainda dispomos dessa espécie), usurpadores, criminosos, pilantras, cínicos, vivaldinos e laranjas, categoria em expansão, essa gente que fornece o óleo para lubrificação dos esquemas de apropriação ilícita do dinheiro público.

O poder invisível está estocando seus arsenais. Mais de 40 bilhões de reais encherão os dutos eleitorais. Mas a estratégia de combate aos poderes invisíveis, voltados para a arbitrariedade e a rapinagem, requer a força da pressão coletiva, mais que simples castigos aos criminosos. Pois toda mudança de cultura se ampara na vontade geral. E sabemos que para limpar a cara do Brasil que dá vergonha, é preciso que os sentimentos do povo se irmanem aos poderes normativos. Sob esse prisma, vemos a sociedade ainda estagnada, observando a paisagem, mesmo com organizações fazendo questionamentos. O Judiciário, por sua vez, é questionado. Jogam sujeira em sua imagem.

No campo do Brasil Arbitrário e Violento, o campeonato é disputado, entre outros, por contingentes das extremidades do arco ideológico, que inserem o país numa disputa de cabo de guerra. O que um lado fará se ganhar a eleição? Pôr lenha na fogueira? Convocar militares para reverter os resultados do pleito?

O fato é que um véu de incerteza teima em cobrir o espírito nacional, adensando as expectativas, aumentando as angústias e diminuindo a crença nas instituições políticas e sociais. Em quase todos os aspectos da vida nacional, impera a dúvida. Não sabemos até onde irão os limites da Constituição ou como serão as formas para se chegar ao consenso sobre questões centrais. Ignoramos o intrincado jogo de poder. O que se sabe é que a desconfiança no processo eleitoral está disseminada. Um dano à democracia.

Vive-se em um ambiente de caos. Ninguém sabe, mas todos se aventuram a garantir suas verdades. Versões e fofocas se espalham. As Forças Armadas parecem ter tomado gosto pelo poder. Foram embora o respeito, a disciplina, a ordem, a ética, a força do compromisso, a dignidade. A improvisação campeia. Poucos se lembram dos hinos pátrios. Desprezamos ou não damos o devido valor ao conceito de Nação. O que nos importa é um pedaço de terra, uma propina, um alto salário, um feudo na área pública. Felizmente, na área privada, os empreendedores se dedicam ao labor.

Ora, Nação é um conjunto de valores, que reúne amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo e atavismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Onde e quando se canta o hino nacional? Quem sabe contar histórias sobre os nossos antepassados?

Só é notícia o que é deslize. O torto, o errado, o inusitado vence a coisa certa. A violência nivela a cultura por baixo. Sem rumo, o povo banaliza a criminalidade. Morreu fulano, beltrano? Ah, uma briga de rua.

É triste. Não somos, ainda, uma Nação.

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