Quando o imperador D. Pedro I teve de voltar a Portugal, em 1831, ele não levou a coroa imperial com 639 diamantes. Fez por bem entender que essa coroa era do Tesouro Nacional do Brasil e, até hoje, se encontra exposta no Museu Imperial. Se foi por honestidade ou pela liturgia do cargo, não sei, mas, no universo da cultura patrimonialista brasileira, esse exemplo não serve pra nada. Se apropriar do patrimônio público é algo aceitável na cabeça do brasileiro, que se indigna com os que odeia e fecha os olhos em relação àqueles em quem vota. É porque somos medíocres.
Se, pelo desejo de ser um país respeitado, atos assim tivessem devida análise nos livros de história e sociologia desde cedo, um presidente da República nunca pensaria em se apropriar dos presentes que recebeu na condição de presidente e, portanto, pertencem ao Tesouro Nacional. Uma socióloga e primeira-dama, integrante do Partido dos Trabalhadores, se envergonharia só de pensar em gastar cem salários mínimos pra reformar a sala de estar com o dinheiro do trabalhador. O caso do tríplex do Guarujá também não serviu pra nada.
A lista de exemplos do hábito patrimonialista seria quilométrica num só dia de noticiário. O presidente da República vai à China, negocia, leva comitiva, convida a Tia Dilma, até aí, tudo bem. Torcemos pra que a China aumente investimentos aqui, depois de ofendida por imbecis como aquele impronunciável ex-ministro da Educação. Mas, aí, o contribuinte tem de pagar as passagens e mordomias de um invasor de terras, dando entrevista de lá, ameaçando invadir propriedade cá. É escárnio com a Sociedade produtiva.
Mudemos de direção: nem toda a ira manifestada contra o STF nos últimos anos foi capaz de revelar que o problema de fundo não está nas ideias e na interferência do judiciário no âmbito dos outros poderes. O fato existe, mas a compreensão do vulgo é torta, já me pronunciei nesta coluna. Relevante é o que está na raiz dos nossos problemas políticos, a tônica mais recorrente desta coluna: o patrimonialismo – senão vejamos, com o auxílio de reportagem do Estadão, assinada pelo jornalista Wesley Galzo, de 17 de abril último.
O título é explicativo: “Judiciário autoriza pagamento de penduricalhos de R$ 1 bilhão a juízes federais”. É a decisão monocrática de um ministro do Conselho Nacional de Justiça, autorizando o adicional por tempo de serviço a juízes. Extinto havia 17 anos, a prebenda beneficia cerca de dois mil federais, ao custo acima estimado, retroativo desde 2006 até 2022. Isso, sem contar o efeito cascata – em SC a discussão já está em curso. A explicação detalhada está disponível aqui.
Para os efeitos sociológicos e republicanos desta Coluna, não interessa a justificação legal e constitucional a essa decisão. O que importa mesmo é o que podemos resumir na simples pergunta: Como um país assim pode dar certo algum dia? E me desculpem os crédulos nos salvadores da Pátria: tem que ser muito ingênuo pra acreditar neles. E a ingenuidade está sempre a um passo da insanidade, já dizia alguém e é o que se tem visto nas eleições e nas redes sociais.
Aí, de sobremesa à nossa indigesta reflexão, vale lembrar daquela juíza do Maranhão, que passou dois anos de licença, ganhando quase
700 salários mínimos pra escrever uma dissertação de mestrado que sequer foi aprovada. A reportagem está disponível na reportagem intitulada “Juíza recebe R$ 722 mil para cursar mestrado e sua dissertação é classificada como ‘ruim’”, do jornalista Luciano Vidal, dia 11 de abril, no blog 30anos de fato.
É uma pequena pérola, não do fenômeno na sua grandeza, mas do significado do patrimonialismo brasileiro, nosso problema de origem. Representa uma filigrana do que é a base do arcabouço jurídico deste País: fundamentada para edificar uma estrutura legal corporativista e sangue suga que mal responde aos anseios da sociedade por justiça. Protege bandidos, impede a punição devida, recompensa ladrões e perdoa assassinos, insensível ao sentimento da Sociedade. Não podia ser diferente, já que o objetivo principal é corporativista-patrimonialista.
Francamente, só o autoengano, a confusão entre o valor do voto e um tanque de gasolina e a crença maniqueísta de raiz religiosa; a ignorância, o paternalismo e a frouxidão moral, é certo, tudo isso já é mais ou menos sabido e ainda nos faz eleger um parlamento que nos custará R$ 13 bi este ano e que nos brinda com a falta de decoro, a ignorância, a ausência de rumo, a falta de ambição de construir uma potência, o nepotismo, emprega o filho do cara aqui, a filha da mulher dele ali. Foi pra isso que o catarinense elegeu um senador, um governador e assim por diante.
Falta vergonha na cara, não só de quem foi eleito, mas do eleitor. Nos achamos enérgicos ao votar contra alguém e votamos em outrem, ignorando nele todos os defeitos, com a justificativa de que se vota no menos pior e não se perde o voto numa eleição. E tem outro jeito? Não tem jeito. É um problema de mentalidade, cabeça de brasileiro, média da mediocridade mundial, me perdoe o leitor esse complexo de inferioridade tupiniquim.
Mas, quando considero o episódio da quebradeira do 08 de janeiro de 2023 e suas consequências, perco a fé no País. A pergunta sobre quanto custou e quem paga a conta da destruição do patrimônio público é só o primeiro item jogado na irrelevância. Na disputa por narrativas numa possível CPI, quando esquerda e direita rebaixam a verdade a tal nível de irrelevância, então vejo que não há solução no curto prazo. E quando o eleitor “consciente” não admite que se trata de farinha do mesmo saco, reafirmo o que digo.
Solução, só no longo prazo, se e somente se, começássemos pela Educação e chegássemos a uma nova carta magna, sobre o que não haverá consenso. Me perdoe novamente o leitor, porque se isso parecer ingênuo, então já estou a um passo da insanidade. Então não haverá começo, porque as ideologias tortas de terraplanistas e freireanos só nos levarão a extremos medíocres. Onde impera a ilusão sobre a verdadeira vontade de Deus ou do novo homem sem ambição e egoísmo, ali nunca haverá a compreensão radical sobre os problemas.
Nesse caso – e é o nosso caso -, nossa Educação “crítica” e moralista ignora a genialidade honesta de um Mário de Andrade, referência de autocrítica nacional. Em nome do politicamente correto não ensina que nosso problema radical é o patrimonialismo. Tudo deriva daí, falta de vergonha na cara, oportunismo, ladroagem, ignorância, autoritarismo, elitismo, nepotismo, falsidade, pusilanimidade, estatismo e adjacências que nos tornam uma nação medíocre.
A ausência de educadores e pensadores em geral de nos debruçarmos sobre a raiz do problema, essa ausência explica porque nossos jovens, por sua vez, se acomodam na mediocridade ou aumentam a evasão de cérebros do País. E nos tornamos sempre mais coniventes com a mediocridade.
Sim, solução existe, sempre existe, virá pelo debate, que gerará novas ideias, nova Educação, novas universidades, escolas e leis oxigenadas. Mas, como longe estamos de necessários consensos, isso só virá no longo prazo, quando todos estaremos mortos.
Parabéns… o melhor artigo que já li nesse blog… Enquanto os brasileiros tiverem políticos de estimação, estaremos nas fezes!!!