Jair Bolsonaro tem se referido ao pleito eleitoral como uma luta entre o bem e o mal. Claro, inserindo-o no terreno do bem e jogando Lula nas trevas do mal. Em que consistiria essa dualidade? O tema percorre os vastos espaços das reflexões filosóficas, incluindo-se nas densas lições de santo Agostinho em “O Livre-Arbítrio”, obra em que confessa não existir um só autor do mal. “A vontade do ser humano é que determina sua escolha em fazer o bem ou mal”. A decisão de realizar ou não alguma coisa, boa ou má ação, depende do que designa de “libero arbitrio”.
Fiquemos por aqui no terreno hermenêutico, até porque a tentativa de chegar à origem do mal tem sido algo que exercita filósofos há milênios. Voltemo-nos para a arena dos valores, sob a hipótese de que os nossos quase candidatos (esperando pelas convenções partidárias) Bolsonaro e Lula defendam pensamentos opostos sobre múltiplas questões, mas convergem em outras. O bem e o mal seriam, então, os abrigos para os ideários opostos. Mas haveria um habitat que abrigaria ambos.
Comecemos por este. “A Casa Bolula”, como podemos chamá-la, fica no território da intervenção do Estado na vida econômica, exemplo explícito exposto por ambos: o uso da Petrobras para controlar preços dos combustíveis. A chegada do quarto presidente da empresa, Caio Paes de Andrade, foi garantida por Bolsonaro com aquele objetivo. Lula, por sua vez, insinuou que o presidente já poderia ter resolvido o imbróglio dos aumentos constantes com uma canetada.
Como se depreende, a visão de ambos sobre o papel do Estado é convergente no que concerne a uma ação intervencionista, que não esconde filigranas autoritárias de regimes ditatoriais, todos eles localizados na extremidade do arco ideológico e amarrados ao lema de que “o Estado é o supremo bem”. No contraponto, o liberalismo, principalmente o filhote mais novo, conhecido pelo adjetivo “neo” no nome, representa o mal.
Pelo que se conhece das entranhas mentais de ambos, haveria concordância, ainda, na adoção de medidas para controle dos meios de comunicação, descortinando outro bem (para eles), a censura. Os totalitários, como se sabe, se ancoram em mídias obedientes, que funcionem como tubas de ressonância de seus feitos e comportamentos. Ventos unidirecionais, puxando loas e hosanas, engrandecem o Estado.
No campo das divergências, as duas casas, separadas por grandes estacas, são habitadas pelas visões sobre a família, a educação, os costumes, o aparato social do Estado, entre outras. Exemplos estão nos painéis temáticos dos últimos tempos. Aborto, por exemplo.
Lula defende liberdade para se fazer aborto. Bolsonaro é contra.
Teto de gastos, outro tema. Lula anuncia estourar o teto, escancarando o acesso do crédito às massas, o que fez em seus mandatos anteriores. Bolsonaro, sob o olhar de controle do ministro Paulo Guedes, até gostaria de arrombar os cofres para se reeleger, mas a mídia está de olho, ao lado das organizações sociais.
O socialismo. Aqui, as visões se atracam na arenga expressiva. De um lado, a ameaça comunista, a toda hora anunciada por Bolsonaro e por ele levada aos ouvidos de Joe Biden, presidente norte-americano; de outro, a defesa de Lula de parceiros de ideias, como Cuba, Venezuela e, quiçá, Nicarágua. Mas Bolsonaro não tem se postado ao lado de Vladimir Putin, o todo-poderoso oligarca da Rússia, que invadiu a Ucrânia? Mistérios do pragmatismo geopolítico.
Bolsonaro usa a interlocução com Putin para mostrar força e importância no mapa político das nações no momento em que se vê fragilizado nas arenas nacional e internacional. Afinal, estar ao lado de potências políticas e econômicas, como China e Rússia, confere boas posições no tabuleiro de xadrez.
Nota de pé de página: sabemos que essa dualidade é plena de vieses. Ao fundo, simpatizantes dos candidatos cantando, em defesa de suas crenças, a música de Caetano Veloso: “Você é minha droga,/ paixão e carnaval;/ meu zen, meu bem, meu mal”.
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