Opinião: o financiamento público eleitoral, patrimonialismo e a lógica do atraso.

Foto: Congresso Nacional/Reprodução

A decisão orçamentária que deverá destinar R$ 4 bi ao financiamento público eleitoral demonstra o desprezo comum pelo patrimônio público. Enquanto o ministro Paulo Guedes se desgasta tentando cobrar um pouco dos ricos e leva pau de todo lado, o Congresso propõe aumento de gastos com as eleições de 2022, permitindo um jogo de cena que, queiram ou não, dará um ponto ao presidente da República. Mas, culpar exclusivamente o Legislativo é fechar os olhos à responsabilidade do Judiciário, que legaliza o patrimonialismo em nome da justiça e reflete a lógica do nosso atraso através das instituições.

Faça-se justiça: o placar da votação foi de 278 a favor (52%), 145 contra (29%) e 19% não votaram. Entre os senadores, 40 a favor e 33 contra, enquanto 4 não votaram. Falso paradoxo, os tradicionalmente favoráveis ao financiamento público votaram contra. Verdadeiro paradoxo é que o eleitor condena o Congresso como um todo, mas aprovará seu representante nas urnas. Dos três senadores catarinenses, Dario Berger votou contra, Esperidião Amin e Jorginho Melo não votaram (por que?). Veja o leitor como votaram os deputados catarinenses no site: economia.uol.com.br/noticias.

É escárnio o aumento de R$ 1,8 (2020) para R$ 5,7 bi (2022), aprovado no Congresso, cabendo ao presidente da República sancionar ou propor outro valor. Bom: Bolsonaro propôs reduzir para R$ 4 bi. Se vingar, sai de bom moço nesse jogo de cena em que a maioria dos que vociferaram contra “a imoralidade” do financiamento público votou pelo aumento de mais de 200% no contexto da pandemia. Em meio à fatalidade e o desemprego, o Executivo faz cara de indignação e propõe aumento de “somente” 120%, para alívio de desempregados e trabalhadores, cujos aumentos salariais foram “um pouco” menos do que isso.

Mas, por que responsabilizar o Judiciário por isso? Simples: em nome da liberdade, o guardião das instituições impediu que uma cláusula de barreira inibisse a proliferação de partidos, potenciando o jogo fisiológico de troca de apoio por cargos no governo. Haja orçamento, que sai da Sociedade produtiva e inibe o crescimento econômico. Dá pra entender a lógica do nosso atraso. Contudo, este ainda não é o cerne. Uma decisão posterior do Judiciário, em 2015, proibiu o financiamento de campanhas por parte das empresas, como sempre, postas no limbo da imoralidade.

Como podemos interpretar isso? Bom, isso já não é tão simples e opiniões favoráveis existem e com justificativas aparentemente legítimas. Baseadas em inibir as desigualdades entre os partidos grandes e dos ricos, de um lado, e as dezenas de partidos nanicos e dos pobres, de outro, a justiça foi feita. Reconheça-se que o debate é complexo e aqui não há a presunção da verdade, somente o ímpeto da provocação republicana. Mas, inegável é: que o sistema de vigilância do Big Brother aumenta, tanto quanto cresce o prestígio dos homens de toga e seus agregados, enquanto a Sociedade dos indivíduos tutelados dorme em paz.

Aí, o lado b da interpretação desnuda mais uma faceta do patrimonialismo, nosso problema de origem. Redundância: o Judiciário faz justiça, alimenta o mito de que empresários são do mal e que o poderoso Estado de direitos deve garantir o equilíbrio e combater as desigualdades. De soslaio, revela-se o corporativismo patrimonialista: se algo antes era constitucionalmente lícito, e agora cai na ilegalidade, aumente-se o número de juízes, promotores, burocratas, servidores e outros agregados, às custas da Sociedade produtiva, inibindo o crescimento e potenciando a economia do Judiciário. Dá pra entender a lógica do nosso atraso?

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