No último artigo, intitulado “Ranking de Competitividade – parte IV: Capital humano”, abordamos a relação direta entre o capital humano e a competitividade de um estado ou nação. Santa Catarina, mais uma vez, consolidou sua liderança nesse quesito, ocupando o primeiro lugar no Brasil de acordo com o ranking anual do Centro de Liderança Pública (CLP). Mas qual seria a fonte do capital humano que gera essa competitividade? Quando vamos à Santa Catarina profunda, encontramos a origem de tudo: o capital social.
Santa Catarina não se destaca somente pelos indicadores econômicos, qualidade de vida ou por ser um polo industrial e tecnológico. O diferencial está em algo mais subjetivo, não obstante original: a força das conexões sociais, dos laços de confiança e cooperação que permeiam a Sociedade. Este é o verdadeiro “Gênesis” do sucesso catarinense, um fator cultural constituinte da história deste estado, ainda desconhecido nas análises sobre a competitividade catarinense. Bastaria reconhecer o cooperativismo catarinense, o mais forte do Brasil.
O capital social vai além de infraestruturas, políticas públicas e belas paisagens. Diz respeito à malha social que constitui uma comunidade. São as redes de cooperação entre os agentes e a capacidade de trabalhar coletivamente, seja por interesses comuns, seja pelo interesse próprio. O associativismo catarinense se revela na união de esforços entre empresas, no envolvimento da Sociedade em questões públicas, como na valorização da Educação. Não há garantias de que isso dure a vida toda ou seja igual ao passado, mas é o fator explicativo do seu capital humano e da prosperidade econômica que nos trouxe até aqui.
Trata-se de uma herança cultural fabulosa e de uma história marcada por desafios superados em comunidade. Foram os imigrantes que trouxeram consigo valores como a ética do trabalho, o devido senso de propriedade, de solidariedade, comunidade e de cooperação. Isso gerou uma mentalidade diferente do individualismo insulado pelo qual o sociólogo Oliveira Vianna (1883-1951) caracterizava a mentalidade nacional. E Dom Pedro II, o déspota esclarecido, ajudou ao financiar a pequena propriedade para o desenvolvimento das colônias: prevaleceu a consciência de que o “nós” é mais vantajoso do que o “eu”.
Daí outro fator elementar conectado ao capital social catarinense: a Educação. Santa Catarina compreendeu cedo que a formação de pessoas qualificadas e comprometidas com o desenvolvimento local é o maior investimento que uma Sociedade deve fazer. É verdade que não vamos bem no Ideb – um assunto sobre o qual ainda nos aprofundaremos nesta coluna. Mas é um problema recente, político-institucional e tem solução, desde que haja clareza no governo estadual. Mas, tradicionalmente, o estado liderou rankings de qualidade no ensino básico, principalmente no fundamental, responsabilidade dos municípios.
Uma sociedade cooperativa naturalmente expressa uma preocupação e um cuidado essencial à prosperidade: o amor às crianças, não somente as suas, mas a todas. É quando não apenas a família, mas a comunidade cuida das crianças, que se constitui o desenvolvimento sustentável. A aposta na Educação para o trabalho, para o empreendimento e pela valorização da estética pessoal e coletiva é um elemento ainda não estudado nas universidades. Está na hora de os pesquisadores do desenvolvimento acordarem pra isso e entenderem, finalmente, porque Santa Catarina não é só a bola da vez; é a bola oito.
E a metáfora da “bola oito” é a melhor definição que encontro para explicar a prosperidade econômica de Santa Catarina. No bilhar, a bola oito é o principal objetivo permanente do jogador: é a bola definitiva, que determina o vencedor. No contexto geoeconômico nacional, Santa Catarina exerce hoje esse papel no cenário nacional. É o estado mais atrativo, capaz de descomplicar o jogo, se desenvolvendo inclusive em cenários difíceis. E a causa mais aparente está no equilíbrio entre desenvolvimento econômico, qualidade de vida e, fundamentalmente, a força de seu capital social.
Insisto: os pesquisadores do desenvolvimento precisam mudar o foco das análises, que imputam o desenvolvimento aos governos, às políticas públicas. Para entender, inclusive, como outros estados brasileiros podem reproduzir o ambiente histórico que gerou o modelo catarinense, é preciso enxergar além dos números e estatísticas. É necessário compreender que o verdadeiro diferencial está nas pessoas, na forma como elas se conectam e colaboram para construir uma sociedade mais forte e competitiva.
Santa Catarina nos ensina que competitividade não é apenas uma questão de recursos materiais. Pra usar o conceito do sociólogo francês Emile Durkheim (1858-1917), é uma questão de consciência coletiva, cuja gênese está nos fundamentos, na profundidade da história de um povo e, no caso de Santa Catarina, trata-se do seu capital social. E é esse Gênesis, essa origem profunda e essencial, que garante ao estado sua posição de liderança, a bola oito do desenvolvimento.
Walter Marcos Knaesel Birkner, Autor de Sociologia Produtiva (Arqué, 2024) e Capital social em Santa Catarina (Furb, 2006)
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