Avalia-se o desempenho de uma administração pela eficácia de quatro campos de viabilidade: o político, o econômico, o social e o organizativo. O cientista social chileno, Carlus Matus, designa estes espaços como os cinturões do governo. O equilíbrio entre eles é responsável pela força ou fragilidade das ações programáticas.
Vamos examinar os cintos que abarcam o corpo do governo Bolsonaro. À primeira vista, emerge a observação: a administração peca no uso do poder como “capacidade de fazer com que as coisas aconteçam”, como ensina Bertrand Russel. O país tem pouco avançado. Os furos estão escancarados. A área política é um território semeado de disputas e competição, com o centrão dominando espaços da administração. Tensões e pressões sugerem rupturas a qualquer momento na base governista, de cujo apoio o governo tanto necessita para aprovar projetos e medidas provisórias.
O ponto central, ainda não entendido pelo governo, é o de que seu governo não se assenta numa coalizão pela governabilidade, mas em moeda fisiológica da adesão, tornando frouxos os elos com as estruturas partidárias. Não se estabeleceu um pacto de longa duração; os acordos são provisórios, deixando o governo nas mãos de um grupo pragmático que muda de posição conforme a direção do vento. E se as pesquisas continuarem a mostrar a má performance de Bolsonaro, nem a negociação no balcão da fisiologia segurará o afastamento da base.
As tensões vão se acumulando, aqui e acolá, a partir dos tiros que Bolsonaro costuma dar na direção da Suprema Corte, por ele acusada de persegui-lo. Ministros são chamados de imbecis. Uma reunião com o presidente do STF, Luiz Fux, não garante que o palavreado esdrúxulo de Sua Excelência seja abandonado. Até a aprovação/desaprovação de André Mendonça pelo plenário do Senado pode haver um refluxo no jogo de tiro ao alvo.
O território social não passa de uma paisagem devastada pelo medo e por reclamos por maior cobertor de proteção. O presidente participa de motociatas em Estados, mas a massa não se faz presente. O país vive a maior pandemia em um século, mas o motociclista não foi até hoje visitar um hospital. A não ser os que o recebem para tratar de soluços. O país exibe monumentais carências nas áreas da saúde, educação, saneamento básico, transportes, mas o governo prioriza o plano eleitoral, com medidas que podem atrair o interesse de alguns contingentes.
O terceiro cinturão é o da gestão, da organização administrativa. Fácil de perceber a defasagem nesse cinturão: a má gestão da pandemia. Que é exibida diariamente pelas telas de TV quando se abre o palanque da CPI da Covid 19. O governo sangra todos os dias e a tendência, de interesse das oposições, é uma sangria desatada, com intenso fluxo de sangue até o final do ano, eis que já se aprovou a continuidade do espetáculo de investigação. Não há como eliminar a mancha sobre o governo bolsonarista que sai dos dutos da CPI. E que eficiência se pode esperar de um ministério que é uma colcha de retalhos, com partes esburacadas, como as que abrigam ministros sob suspeita, envolvidos em escândalos, gente sem competência gerencial, quadros que vivem em torno de uma Torre de Babel?
A administração é um esqueleto torto, sem harmonia de conjunto, e sob o tiroteio que abate alguns ministros- o do desmatamento (ou meio ambiente?) saiu, o da deseducação (quem sabe o nome?) está perdido, o da saúde (ou da doença) também saiu, dando lugar a mais um nome, que tem dificuldades em saber como agradar o paladar do chefe-presidente. Sobram poucos, alguns trabalhando em silêncio com receio de mostrar a cara.
O quarto cinto é o da economia. O ministro Paulo Guedes espera que o piloto automático recomece a funcionar com um PIB chegando aos 5% neste ano. Mas o rolo continua a entravar a reforma tributária, enquanto os setores econômicos se queixam de que a redução dos impostos para as empresas esteja sendo feita com uma tributação elevada sobre dividendos. Algo como toma lá, dá cá. Os gastos públicos têm aumentado em proporção geométrica. Pois é, a esperança está no cinturão econômico. Se for bem ajustado, o país retomará o caminho do crescimento. Mas o desemprego continuará a amargar o caldo, ante o buraco que abarca cerca de 14 milhões de desempregados. A privatização da Eletrobras merece aplausos. Mas é pouco ante a promessa de privatização de centenas de feudos estatais.
Com essa gama de deficiências, o sinal amarelo é prenúncio de que os cordões do governo poderão se romper até outubro de 2022.
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