Opinião | O mito da onipotência presidencial e a falácia da meritocracia

Foto: Doug Mills/The New York Times

Como cidadão engajado na análise política, sinto-me compelido a abordar dois temas que frequentemente surgem em debates sobre poder e justiça social: o alcance do poder presidencial e a falácia da meritocracia. Esses tópicos, muitas vezes tratados de maneira superficial, são centrais para compreendermos as engrenagens que movem nossas sociedades, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Nos últimos anos, o nome de Donald Trump tornou-se sinônimo de polarização. Eleito democraticamente, Trump assumiu a presidência com o apoio de milhões de eleitores. No entanto, precisamos desconstruir a ideia de que um presidente, por mais carismático ou controverso que seja, possui poderes ilimitados. A estrutura política dos Estados Unidos, como em qualquer democracia, é baseada no equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse sistema de freios e contrapesos não é um capricho; é uma salvaguarda contra o autoritarismo.

Trump, como qualquer outro presidente, enfrenta limites impostos pela Constituição. Suas ordens executivas podem ser contestadas pelo Congresso ou barradas pelo Judiciário. Isso não é um sinal de fraqueza, mas de uma democracia funcionando. Ignorar essas nuances é alimentar a narrativa de que líderes eleitos têm carta branca para agir conforme suas vontades, o que é perigoso para qualquer nação que preze pela liberdade.

Agora, permitam-me dar um passo além e conectar esse debate com outro mito que insiste em se perpetuar: a meritocracia. Essa ideia de que o sucesso depende exclusivamente do esforço individual é sedutora, eu admito. Afinal, quem não gosta de acreditar que o mérito é a chave para a ascensão social? Contudo, essa visão ignora realidades estruturais que moldam nossas vidas antes mesmo de nascermos.

Pensemos nas desigualdades sociais e raciais que permeiam o sistema educacional, o mercado de trabalho e o acesso a oportunidades. Não é possível falar em meritocracia em um mundo onde milhões começam a corrida da vida vários passos atrás dos mais privilegiados. Como disse a socióloga Jo Littler, a meritocracia é uma ilusão usada para justificar desigualdades. É um discurso conveniente para os poderosos, que assim se eximem da responsabilidade de enfrentar injustiças históricas.

No Brasil, essa falácia é ainda mais evidente. Em um país com profundas desigualdades sociais e uma herança de racismo estrutural, a meritocracia é frequentemente usada como argumento para manter o status quo. Como podemos cobrar “mérito” de uma juventude que luta para sobreviver em condições precárias, enquanto outros têm acesso às melhores escolas, cursos e redes de contatos?

Portanto, é essencial que nós, enquanto sociedade, rejeitemos essas narrativas simplistas. O poder presidencial deve ser constantemente fiscalizado, e a ideia de meritocracia precisa ser confrontada com a realidade das desigualdades. Só assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente democrática e justa, onde o poder não seja concentrado e o mérito não seja usado como desculpa para perpetuar privilégios.

Essa reflexão não é apenas um exercício intelectual; é um chamado à ação. Precisamos de um debate público mais honesto, que enfrente as complexidades do poder e da justiça social sem cair em armadilhas discursivas que favorecem poucos em detrimento de muitos.

Marco Antônio André, advogado e ativista de Direitos Humanos

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