Opinião | Os aspectos nebulosos da Reforma Tributária

Foto: Sérgio Lima/Poder360/Reprodução

O Brasil precisa de uma reforma tributária sem dúvidas, haja vista que, o sistema tributário brasileiro é caótico, labiríntico e disfuncional. Nesse ponto a reforma é positiva, dado que, extingue uma série de tributos.

Mas, alguns pontos dessa PEC 45/19 da reforma tributária são um tanto quanto nebulosos. Embora aprovada na Câmara dos Deputados, não significa que o texto seja bom, na realidade existem diversos aspectos ruins e mal explicados. Atualmente existem cinco tributos sobre o consumo que serão extintos, o IPI, PIS e COFINS da União, o estadual ICMS e o municipal ISS, e substituídos pelo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Como no Brasil existe uma divisão de competências tributárias entre os entes da federação, que aliás é um dos principais elementos do pacto federativo, esse IVA foi batizado como dual e dividido em dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência da União e os estados e municípios ficam com o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), ambos com uma alíquota fixa, ainda não estipulada.

Nesse cenário embaçado, o governo sinalizou uma alíquota de referência de 25%, todavia, sem considerar os incentivos fiscais, que podem ter um impacto significativo na alíquota efetiva e na arrecadação do IVA, afetando sua aplicação e distribuição da carga tributária entre os setores econômicos. Especialistas tributários projetam uma alíquota efetiva em torno de 29% o que a tornará uma das maiores alíquotas de IVA do mundo.

O que me causa uma certa inquietação nessa eterna discussão tributária, é que ela se arrasta há cerca de três décadas, inclusive tendo sido uma das bandeiras do ex-ministro Paulo Guedes. Agora de forma açodada foi colocada para votação de forma intempestiva pelo presidente da Câmara. Ora, um assunto dessa magnitude que impactará toda a sociedade e o sistema econômico produtivo do país deveria ser amplamente discutido em vários fóruns e entidades de classes.

De modo igual, outros pontos preocupantes permeiam essa reforma tributária. A rigor não se está debatendo a redução da enorme carga tributária que existe no país, mas, apenas em simplificação; claro que isso não deixa de ser positivo. Igualmente, o anseio de se acabar com a chamada “guerra fiscal” entre estados e também entre municípios é outro assunto crítico e intrincado. Ocorre que na atualidade, o que se tem é uma competição tributária por meio de incentivos fiscais, como redução de impostos, visando atrair empresas e investimentos para suas regiões.

Portanto, caso essa reforma seja aprovada nos termos propostos, isso poderia desafiar a estrutura atual do pacto federativo brasileiro, pois, o sistema tributário brasileiro e o pacto federativo estão intimamente relacionados. Isto posto, a consequência imediata é que a repartição de recursos seria gravemente afetada devido a que os entes subnacionais perderiam a autonomia de gerir competências tributárias. Por consequência, o poder ficaria ainda mais centraliza na esfera federal, ou seja, teremos “Mais Brasília e menos Brasil”!

Entre os prós da competição tributária destacam-se a atração de investimentos que impulsionam o desenvolvimento econômico e geram empregos. Igualmente, existe um estímulo à inovação, posto que, a concorrência entre os estados pode incentivar a busca por soluções criativas e inovadoras para atrair investimentos, levando a avanços tecnológicos e desenvolvimento de setores estratégicos.

De fato, se a competição entre estados e municípios for eliminada, as empresas tenderão a se estabelecer em locais que oferecem melhores condições de infraestrutura, capital humano desenvolvido e outros fatores que podem incluir acesso a mercados, fornecedores, mão-de-obra qualificada, centros de pesquisa e desenvolvimento, entre outros.

Esses fatores locacionais que atraem investimentos são conhecidos “economias externas” ou economias de aglomeração, termo cunhado por Alfred Marshall, renomado economista britânico cuja magnum opus “Princípios de Economia” de 1890 continua influenciando políticas públicas e governamentais. Marshall se refere aos benefícios adicionais para empresas ao se localizarem em áreas com concentração de atividades relacionadas. Assim, a presença de empresas, fornecedores, mão de obra qualificada e infraestrutura em determinada região cria um ambiente propício para o surgimento de sinergias e vantagens competitivas, a exemplo de acesso facilitado a insumos, compartilhamento de conhecimento, aglomeração de serviços especializados e formação de clusters industriais.

Portanto, regiões menos desenvolvidas podem enfrentar desafios em atrair investimentos se não puderem competir por meio de benefícios fiscais e outros incentivos, haja vista que possuem menos recursos para investir em infraestrutura e desenvolvimento.

Essa é outra matéria que traz mais inquietações. Como não haverá mais competição entre os entes subnacionais, o governo criará um Fundo de Desenvolvimento Regional para financiar projetos de desenvolvimento em estados mais pobres. Primeiro, os critérios para a divisão dos recursos do fundo entre os estados serão definidos após a reforma. Segundo, provavelmente será o governo quem dará a palavra final para alocação dessas verbas.

Ora, a história mostra que o governo é um péssimo administrador, gasta mais do que arrecada. Além disso, utiliza mecanismos oportunistas em suas relações, como a política de alianças entre os poderes executivos e legislativo baseada no fisiologismo. Aliás, o atual governo é especialista nisso, visto que num passado bem recente exerceu o poder por meio do fisiologismo do Mensalão e do Petrolão, dois grandes esquemas de corrupção, por meio de desvios de dinheiro público. Esse “toma-lá, dá cá”, combinado com o aliciamento de parlamentares, por meio de liberação de emendas parlamentares continua resultando em mais algazarra com o dinheiro público. Na véspera da votação da reforma tributária, o governo empenhou R$ 5,3 bilhões em emendas Pix, dinheiro que entra no caixa das prefeituras sem a obrigatoriedade de apresentação de projetos específicos.

Como a fiscalização dessas verbas é feita por tribunais locais, normalmente repletos de parentes nomeados pelos políticos, faz com que esse cenário seja bem ilustrado pelo ditado popular “nada é tão ruim que não possa piorar”.

Diante disso, é razoável afirmar que o futuro do sistema tributário brasileiro guarda estreita relação com o aforismo dito nos anos 1830 pelo político e ministro das finanças da França, Barão Joseph Dominique Louis: “Dai me boa política e eu vos darei boas finanças”. Mas, infelizmente, o povo brasileiro, de forma geral, não tem dado bons políticos para a nação!

Jorge Amaro Bastos Alves, economista e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado – UNC

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