Opinião | Paralimpíadas e a discriminação da pessoa com deficiência

Foto: CPB/Reprodução

Desde os Jogos Paralímpicos disputados em Londres em 2012, o interesse da mídia brasileira e dos órgãos governamentais pelos esportes ditos paralímpicos vem aumentando. É provável, entretanto, que este interesse pouco esteja relacionado ao reconhecimento dos atletas com deficiência ou a uma valorização dos aspectos competitivos das modalidades existentes. Afinal, é o uso político do esporte e o discurso nacionalista por este alimentado que realmente importam ao Estado e aos veículos de comunicação de massa. O orgulho da nação construído com medalhas! Se nas Olimpíadas convencionais daquele ano o Brasil alcançou apenas o 22º lugar geral, nas Paralimpíadas a comitiva brasileira conquistou uma honrosa 7ª colocação!

Apesar do uso político do esporte na construção da imagem de uma nação forte e no desenvolvimento de uma falsa impressão de que o bom rendimento dos atletas brasileiros nas Paralimpíadas representaria uma maior inserção da pessoa com deficiência na cidadania, queremos discutir aqui até que ponto os Jogos Paralímpicos contribuem efetivamente para esta inserção.

A principal explicação para o termo paralimpíada argumenta que este tenha se originado da contração das palavras paraplegia e olimpíadas. Seria um bom argumento, não fosse o fato das modalidades paralímpicas serem disputadas por pessoas com diferentes deficiências e não exclusivamente por atletas paraplégicos. Na realidade, desde que o médico Ludwig Guttmann promoveu o primeiro evento esportivo disputado por pessoas com deficiência, em 1948, já se pensava em associá-lo aos jogos olímpicos.

Olimpíadas e Paralimpíadas são tratadas, na prática, enquanto eventos diferentes, ainda que pesem os esforços realizados para a sua aproximação, especialmente a partir de 2001, quando o Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Paralímpico Internacional assinaram um acordo estabelecendo que as cidades sede gerenciem ambos os jogos. Atualmente as Paralimpíadas são disputadas imediatamente após o encerramento das Olimpíadas. Trata-se, obviamente, de um avanço no reconhecimento da pessoa com deficiência também como atleta. Por outro lado, a separação dos jogos e a existência de comitês distintos faz com que os atletas com deficiência sejam segregados, não só pela cobertura midiática diferenciada dos jogos e pelo público significativamente menor que se dispõe a assistir às competições, mas principalmente porque impede que desportistas com deficiência e desportistas sem deficiência convivam em uma mesma vila olímpica, compartilhem experiências e contribuam coletivamente para o desenvolvimento do esporte.

Ainda que a Carta Olímpica afirme que qualquer tipo de discriminação é incompatível com o movimento olímpico, a existência dos Jogos Paralímpicos de forma paralela ou subsequente às Olimpíadas caracteriza, de certo modo, um tratamento discriminatório aos atletas com deficiências que os desabilitem a participar das modalidades olímpicas oficiais. O grande desafio é, justamente, fazer com que o esporte paralímpico seja considerado olímpico, e que suas modalidades possam ser percebidas como efetivamente o são: modalidades esportivas distintas, do mesmo modo como são distintos o triatlo feminino e o triatlo masculino, ou as categorias que diferenciam os lutadores pelo peso.

Não se trata de afirmar que a pessoa com deficiência não possua comprometimentos para algumas atividades esportivas, mas de reconhecer que os esportes por elas praticados respeitam suas possibilidades e incentivam suas potencialidades, características inerentes do tão propalado espírito olímpico. E mesmo que algumas pessoas com deficiência tenham disputado as Olimpíadas em condições de igualdade com os demais atletas, como é o caso da arqueira Neroli Fairhall, da maratonista Maria Runyan e do ginasta George Eyser, a maior parte dos atletas com deficiência dificilmente conquistará o reconhecimento olímpico pelo simples fato de estarem estigmatizados como paralímpicos.

Muito mais do que disputados, os Jogos Olímpicos deveriam ser celebrados. E tanto melhor a celebração do espírito olímpico quanto maior a inclusão que puder promover.

Viegas Fernandes da Costa, pessoa com deficiência, escritor, historiador e professor do Instituto Federal de Santa Catarina

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*