O cientista político Raymundo Faoro, autor de Os donos do poder (1958), defendia que por aqui era necessário surgir uma força política liberal, capaz de libertar nosso Estado das garras de uma aristocracia autoritária. Faoro era um liberal e advogava que somente um vento liberal (expressão minha) poderia construir na sociedade brasileira princípios como igualdade de tratamento, liberdade e sobretudo enterrar o costume de organizar a sociedade a partir de uma hierarquização baseada no autoritarismo e no mandonismo.
Na semana passada, o Informe Blumenau publicou uma matéria que mostra um vereador de Blumenau, do NOVO, aplicando uma carteirada em um agente de trânsito da cidade. O NOVO é um partido político, fundado em 2011, que proclama ser herdeiro da tradição liberal. Em sua página na internet apresenta-se como um partido fundado por cidadãos ficha-limpa, que nunca haviam se envolvido com política e resolveram sair da indignação para a ação. Entre outras pautas que defende está o princípio que todos são iguais perante a lei. Nos termos da definição partidária, o NOVO defende que é preciso “acabar com os privilégios” ao invés de “proteger uma elite”, inclusive a elite do funcionalismo público.
No melhor estilo “você sabe com quem está falando?”, enfurecido, o vereador insurgiu-se contra o servidor que teimava em aplicar as regras estabelecidas em lei. No ato da multa, o vereador sacou um “sou presidente da CCJ, conheço toda legislação (…)não vou perdoar o Seterb, não vou respeitar vocês, vou tocar o pau hoje na Tribuna” Quando procurado pela reportagem aplicou a mesma fórmula, “Só lembrando, como sou advogado há 25 anos, então cuidado (…) não estou ameaçando, é só uma informação para ti”
A bravata feita ao agente de trânsito não foi cumprida pelo vereador do NOVO, mas por um colega de parlamento, do Partido Progressista. O PP é um partido político brasileiro, herdeiro da Antiga Arena, que serviu como partido base de sustentação da Ditadura Civil Militar que comandou o Brasil de 1964 a 1985. Por décadas a principal estrela do PP foi Paulo Maluf. O partido é a coluna vertebral do campo político parlamentar que conhecemos como Centrão. Constituído em 1987, o grupo agrega diversos partidos conservadores e de direita, que uniram a uma parte do PMDB e passaram atuar em bloco, apoiando o presidente José Sarney.
Durante o governo Dilma Rousseff (PT) o centrão voltou a ter protagonismo político sob a regência de Eduardo Cunha (PMDB). Naquele período o centrão era composto por cerca de oito partidos políticos, dentre eles o Partido Progressista – PP, ao qual o então deputado Jair Bolsonaro esteve filiado desde 2005 até 2016. Foi entre esse mesmo período que, o então deputado, Jair Bolsonaro operou seu esquema das rachadinhas
Como o irmão mais velho, valentão, que sai em defesa do caçula na briga ao final da aula, nosso vereador do partido do centrão toma as dores do colega e defende que o guarda deve ser retirado das ruas.
É certo que depois da divulgação do vídeo, depois aplicar outra carteirada no jornalista que divulgou a notícia e ante a muita pressão nas redes sociais o nobre edil reconheceu o erro. Episódio lembra uma obra clássica da ciências sociais brasileira: “Carnavais, Malandro e Heróis” de Roberto daMatta. Aliás, diga-se de passagem daMatta também é um liberal, constante colaborador do polêmico Instituto Millenium.
Na obra lançada em 1979 há um capítulo em que o antropólogo carioca analisa o famoso “você sabe com que está falando?” Para ele, o hábito da carteirada não é uma expressão nova, “é tão antiga como o uso de fraque, bengala e bigodes, que só poderiam ser usados por pessoas pertencentes a classe senhorial”. O “você sabe com quem está falando?” atua em oposição a aplicação do direito moderno, uma espécie de contra fluxo das transformações da sociedade que visa demarcar as diferenças e o retorno em para um mundo onde a hierarquização e os privilégios são possíveis.
Também é interessante perceber que para daMatta, o discurso de mudança ou de novidade social no Brasil é parte do processo de manutenção da sociedade presa em velhas estruturas. Com o perdão do trocadilho, mas, se não suporta a ideia de igualdade, pode até ter cara de novo, mas no fim, não passa de uma reapresentação do que há de mais arcaico na sociedade Brasileira.
Muito claro e objetivo!
Até mesmo para os 2 vereadores, que acredito lhes falte o hábito da leitura e do estudo, não será necessário desenhar!