Opinião | Pugs e cães pelados na política: como os esquisitos dominam o espetáculo da atenção eleitoral

Foto: reprodução

Se este texto chegasse por rádio para você, eu pediria que pudesse imaginar um fofo doguinho da raça pug. Sabe aquelas criaturinhas de olhos esbugalhados, focinho achatado e uma respiração ofegante, eufóricos e desastrados? Ou, ainda, sugeriria pensar em cão de crista chinês,  o famoso cachorro pelado. Como dizem alguns dos meus clientes na Foster Pet Place, estes bichinhos são tão feinhos e estranhos que conquistam a simpatia de todos por onde passam.

O papo aqui não é sobre pets, mas de outra espécie de animais: os políticos. Acho que concordamos que essa imagem, do peculiar, confuso e esquisito, é perfeita para definir os candidatos da extrema-direita que ocupam as telas e palanques na política moderna, não acha? Como Frank, o pug do filme “Homens de Preto”, ou Peggy, a mestiça de cão de crista chinês com pug, de “Deadpool & Wolverine”, que de tão peculiar, tornam-se irresistíveis para muitos, esses políticos, com seus discursos fragmentados e caóticos, cativam uma parcela significativa do eleitorado. Mas, ao contrário dos patudinhos, que oferecem diversão e ternura, essas figuras trazem à cena política um caos destrutivo, minando o debate público e a sanidade coletiva.

Nos Estados Unidos, Tim Walz, companheiro de chapa de Kamala Harris, definiu Donald Trump e seus seguidores como “weird” – algo que seria traduzido para o português como esquisitos, estranhos. Um adjetivo que se aplica com precisão cirúrgica a figuras como J.D. Vance, Javier Milei, Bolsonaro e Marçal. É uma espécie de esquisitice contagiante que, como um intrigante cãozinho, sob a capa de novidade e autenticidade, nos fazem rir, mas que, no fundo, trazem consigo o separação de pessoas queridas, ódio, brigas e dores. Justamente é aí que está o perigo.

Há algo de peculiar na maneira como conseguem captar nossa atenção nas arenas eleitorais. Por mais estranhos que pareçam, acabam por cativar e despertar uma espécie de simpatia desconcertante. Surpreendem o público de um jeito, como se fossem os personagens mais memoráveis de um filme, com estilo bizarro e, paradoxalmente, carismático.

Esse fenômeno, no entanto, vai além. Ele se insere em um contexto mais amplo, envolve a economia da atenção. A campanha política, antes focada em programas e propostas, agora se parece mais com o lançamento de um produto digital: rápido, eficiente, viral – arrasta pra cima que te conto mais. A disputa pelo voto se transforma em uma batalha por cliques, curtidas e compartilhamentos, onde cada segundo da nossa atenção é disputado como se o prêmio fosse o cajado de Cesar Milan, um dos maiores adestradores pet do mundo.

Os “pugs” ou os “cães de crista chinês” da política não latem, mas gritam pelas redes sociais. O problema com essa transformação é que ela vai muito além de simples estratégias de marketing. A invasão da política por papos de coach, pelas técnicas de programação neurolinguística (PNL), combinadas com métodos de formação de seitas, impede qualquer debate público significativo. Ao invés de se discutir o que realmente importa, os temas são infantilizados, os problemas complexos são idiotizados, e o eleitor é reduzido a um mero consumidor de conteúdo, cuja atenção deve ser conquistada a qualquer custo.

É como se a população estivesse constantemente distraída por aquele cachorro engraçado, que abana o rabo e sorri pedindo um afago, tornando-se incapaz de enxergar o que está realmente em jogo. Quando temas de relevância são transformados em espetáculo, perde-se a profundidade, o debate sério é interditado, e o diálogo verdadeiro se torna impossível.

A política, que deveria ser o espaço da construção coletiva e do confronto de ideias, vira um palco para performances vazias, onde o que conta é o impacto imediato, não o conteúdo. Os “esquisitos” — esses pets feinhos da política —, com sua retórica simplista e atitudes performáticas, encontram terreno fértil para prosperar.

Hoje, o que assistimos em São Paulo, a mais importante cidade brasileira, é um exemplo claro da aplicação desta nova forma de exposição política. Os memes, o caos e a gritaria deveriam ser um alerta para todos os políticos, independentemente de sua orientação ideológica. Porque o que está em jogo é a própria essência da democracia.

Se continuarmos a permitir que a política seja dominada pela lógica da economia da atenção, sem regras, sem legislação para disciplinar, sem responsabilidade, corremos o risco de destruir o espaço para o diálogo de construção de um futuro comum. É urgente a necessidade de interromper este caminho onde o que importa é quem grita mais alto ou quem consegue a maior repercussão nas redes. Precisamos de projetos que resgatem o debate político de verdade, que incentivem a proximidade e o diálogo aberto, e que confrontem esses “pugs”, “cães de crista chinês” da política com algo mais substancial do que apenas sua própria estranheza.

É bom reforçar: estes políticos lacradores nas redes são esquisitões, sim. Mas não podemos nos deixar enganar: a simpatia que eles despertam é o veneno que pode corroer as bases do poder público. Ser esquisito na política,  não se engane, não é qualidade, mas sintoma de um problema maior. Diferente de um doguinho que o maior dano que pode gerar é um móvel roído, as necessidades fora do lugar, os “weird” rompem com nossas bases sociais e democráticas. E isso não tem graça ou fofura nenhuma.

Tarciso Souza, jornalista e empresário

1 Comment

  1. Salvem o pug e o crista chinês, pois na esquerda do rio, tem asno dando coice .

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