Opinião | Quando os cães são mais visionários que os gestores

Foto: Ricardo Wolffenbuttel/Secom/Reprodução

Tenho o costume de usar muito o celular. Para mim, depois da energia elétrica, este bendito aparelhinho está no topo das invenções humanas mais geniais. Leio, escrevo e converso com o mundo em uma tela de dimensões plus. Muitas vezes, minha insônia é acompanhada de scrolls ou dedilhadas no smartphone.
Outro hábito é ter minhas cachorrinhas por perto quando estou imerso em textos. Até janeiro, a Xereta — minha pequinês rabugenta, que acabou de completar 13 anos — era minha companheira. Deitava no meu colo, enrolava-se nos meus pés. Observava as vírgulas e percalços de cada encrenca e polêmica que eu digitava para aparecer aqui, na coluna do Informe Blumenau, ou em outros trabalhos de assessoria de imprensa que faço. A revisão e a análise da ousadia crítica ficam sempre com a Bianca, minha esposa.

Como disse, até janeiro era assim. O início do ano marcou a chegada da Wanda — ou Wandinha, para os íntimos —, uma bulldog inglesa toda cheia de fofura. Agora são oito patinhas disputando atenção com boa parte dos textos que escrevo. E, entre tantas coisas legais que a proximidade com os pets ensina, algumas percepções sobre o avançar do nosso tempo — as avaliações sobre a cidade, o Estado, o país e o mundo — ganham outras cores. De certa maneira, aprendemos sobre limitações, oportunidades e os desafios de contar com “um alguém” tão dependente de nós.

Ontem, enquanto Wandinha babava copiosamente no meu chinelo e a Xereta mantinha seu olhar julgador fixo em mim — daqueles do tipo que desejam um petisco e um cafuné —, adiantei a leitura da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, edição de abril. Lá, encontrei uma reportagem sobre turismo que me fez pensar em Blumenau — especialmente a maneira como abordamos este segmento econômico tão importante. Uma coisa tímida, conservadora para além dos costumes. Um apego ao que “funcionou” e que hoje, em um novo planeta, não apresenta os mesmos resultados.

Um dos exemplos apresentados pela revista é o da empreendedora Ana Luiza Russo. Ela transformou sua pousada, em Socorro, interior de São Paulo, em um espaço “100% pet friendly”. E o mais interessante: ela não criou um hotel que aceita pets, mas um hotel para pets que aceita humanos. A inversão na lógica do negócio que, como mágica, resultou em um crescimento imediato de 149%. O faturamento saltou para R$ 1,8 milhão em 2024, e a previsão para 2025 é de R$ 2,3 milhões — com fila de espera para hóspedes.

O negócio da Ana Russo deixou de ser um hotel comum para virar algo extraordinário quando ela entendeu o fundamental sobre o turismo contemporâneo: as pessoas querem experiências que contemplem todos os membros da família — e isso inclui os pets.

E aqui está o ponto a que quero chegar: Blumenau e região têm um problema sério com o turismo. Vivemos amarrados à lógica das festas sazonais, como se a Oktoberfest fosse nossa única atração turística digna de nota. No entanto, estamos cercados de belezas naturais, temos uma gastronomia que vai muito além do chope e do eisbein, e poderíamos explorar tantas possibilidades turísticas durante o ano inteiro. Mas continuamos com as mesmas apostas de décadas passadas. É como ter um carro de luxo e só usá-lo aos domingos para ir à missa. Uma estupidez gerencial que beira o masoquismo econômico.

Bianca e eu já conversamos sobre isso diversas vezes. Quando planejamos nossas viagens, o primeiro item do checklist é: “aceitam a Wandinha e a Xereta?”. Se a resposta for não, o estabelecimento já está eliminado — não importa quantas estrelas tenha ou quão paradisíaco seja o local. E não estamos sozinhos nessa maneira de programar os passeios.

Os dados da pesquisa revelados pela revista não deixam dúvidas: as belezas naturais (31%) são o principal critério na escolha de um destino, seguidas por preço favorável (18%) e possibilidade de encontrar familiares (13%). Festas e eventos — como a Oktoberfest ou o Festival da Cerveja — aparecem apenas em sétimo lugar, com míseros 8% dos motivos para uma viagem. Isso deveria ser um alerta para quem pensa políticas públicas de turismo em nossa região.

A cidade não pode continuar sendo refém de uma única festa anual, nem de uma emulação cultural. É preciso avançar e valorizar o que de fato é.

Wandinha rompe o silêncio da sala, levanta-se e me encara como quem diz: “e nós, os pets? Onde entramos nessa história?”. Pois é justamente aí, Wandinha. Um turismo pensado também para apaixonados por animais poderia ser um diferencial e tanto: pousadas pet friendly nas encostas dos morros, trilhas ecológicas onde humanos e seus companheiros de quatro patas fossem igualmente bem-vindos, restaurantes com áreas especiais para famílias multiespécies.
Xereta deixa seu posto de vigilância e vem se juntar à conversa, como se quisesse adicionar a doçura de seu humor ácido: “e não se esqueça do turismo de experiência! As pessoas querem vivenciar, não apenas ver!”.

E as duas têm razão. O turismo de experiência representa 60% do faturamento dos pequenos negócios do setor, segundo o estudo citado pela revista. São vivências imersivas que permitem conexão mais profunda com a cultura, a história, a gastronomia e a natureza das comunidades locais.

A revista menciona ainda o crescimento do bleisure — combinação de business (negócios) e leisure (lazer) —, um formato que alia trabalho e turismo. Algo que poderia perfeitamente ser explorado em Blumenau, oferecendo estrutura para que executivos em viagens de negócio pudessem estender sua estadia e conhecer as belezas da região — acompanhados de suas famílias e, claro, de seus pets.

Mas nenhum plano de turismo avança sem muito dinheiro público aplicado. É preciso ousadia dos gestores locais para investir, sustentar e fazer com que a engrenagem da atração de visitantes comece a girar, até que o setor consiga caminhar sozinho, sem novos aportes públicos.

Como se concordasse com minha indignação, a Xereta, deitada ao meu lado, começa a resmungar. É no instante em que Bianca passa pela sala, lê por cima do meu ombro e comenta: “cuidado com o que você vai escrever. Desse jeito, só vai arrumar briga”. Provavelmente sim. Mas alguém precisa dizer o óbvio: a nossa política de turismo é uma fantasia de príncipe alemão com a cueca aparecendo.

É hora de Blumenau crescer e abandonar esse turismo de casinha de boneca, esse fingimento coletivo de que somos algo que nunca fomos integralmente. É hora de valorizar o que realmente temos: natureza exuberante, diversidade cultural genuína (sim, temos italianos, poloneses e tantas outras etnias além da alemã), gastronomia rica e possibilidades infindáveis para o turismo de experiência — inclusive para quem viaja com seus animais.

E como diria Wandinha, se pudesse falar: “até eu, que fico feliz lambendo minha própria pata, consigo perceber que isso é burrice”. Quando seus cães são mais visionários que os gestores, é sinal de que chegou a hora de repensar o modelo local.

Imagem: Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios/Reprodução

Tarciso Souza, jornalista e empresário

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*