O concreto e asfalto, todos os prédios que formam a paisagem desta selva que chamamos de cidade, gritam um dilema persistente no Brasil: a necessidade de humanizar o ambiente urbano. Atualmente, qualquer metro quadrado recebe o nome de lar, os arranha-céus se multiplicam como fungos em um porão úmido. Seguindo assim, em pouco tempo, cada vez mais respiramos menos verde. O abrir das janelas surgem, ao indivíduo, como o encarar os espelhos refletindo o distanciamento dos homens e a natureza. Nós, os moradores de espaços lotados de coisas inanimadas, vazio de vida, vamos em frente encurralados, perdidos em um labirinto.
Parece que, como país, estamos neste momento em um grande conjunto habitacional mergulhado em reformas que nunca cessam. Vencemos a etapa da previdência, a trabalhista, e, agora, lentamente enfrentamos a tributária. Como bagunça pouca é bobagem, teimamos em não executar uma agrária que, de fato, pacificasse o campo. Hoje, décadas após a nova constituição, cada beco implora algo muito além de terra produtiva. A pauta de uma reforma urbana se impõe como um tema fundamental os mais diversos vilarejos da nação.
A bandeira da transformação que tanto almejamos, uma espécie de amuleto que promete um vislumbre de esperança, depende fundamentalmente da dignidade oferecida ao cidadão. Porém, enquanto as autoridades desenham suas plantas mirabolantes de desenvolvimento, os problemas acumulam-se como lixo em dias de chuva nas vielas estreitas. Não estou criminalizando a política. Entretanto, questiono como poderemos trabalhar a “humanização” da cidade sem tornar este termo em, na verdade, um eufemismo moderno para encher os bolsos de empreiteiras e políticos?
Eu, um pobre jornalista, admito que não domino ou compreendo por inteiro os cálculos do planejamento urbano. Porém, fica bastante evidente para um leigo, como sou, que as vias congestionadas, por exemplo, são o reflexo de uma “planificação” falha. Um erro de entendimento que afasta a burocracia da realidade das pessoas. As oportunidades de trabalho brilham como miragens distantes, enquanto o trânsito atua como um lembrete persistente de que a cidade não foi feita para seus habitantes, mas sim para suas máquinas. O trabalhador moderno encontra municípios que não evoluíram para as demandas do novo tempo. Ou mora perto da infraestrutura básica ou perto do trabalho. Assim, é forçado a uma dança frenética entre casa e escritório/ fábrica, como uma marionete em um espetáculo grotesco. Enquanto isso, a distância entre os sonhos e a realidade se alarga como um abismo intransponível.
Quando estudamos um pouco o Censo, divulgado recentemente, os dados são estarrecedores! Mais de 11 milhões de moradias estão vazias em todo país. Ou seja, neste momento os desabrigados estendem seus mantos nas calçadas geladas, porém, as edificações reluzem como sarcófagos de esperanças abandonadas. A ironia mora nas estatísticas: a quantidade de domicílios vazios supera em o dobro o déficit habitacional. São aproximadamente 6 milhões de pessoas aquelas que não possuem uma casa, cerca de 300 mil destes vagando por uma das ruas do Brasil.
Mas quem se importa, não é mesmo? A realidade é como uma cusparada na cara da sociedade. Enquanto a burocracia dança a valsa da inércia, muitos são forçados a buscarem abrigo em vielas esquecidas e favelas superlotadas.
A necessidade de uma reforma urbana – de uma cidade onde a habitação é distribuída como riqueza compartilhada, que toda a ocupação do território é repensada para melhorar a qualidade de vida – chega como um poema apaixonado que ecoa em nossos ouvidos. No entanto, a realidade se assemelha a um quadro de Salvador Dali: derretendo, distorcido e repleto de estranhezas.
O carioca Lima Barreto, que ecoa um tanto em mim, era ácido em suas crônicas para reverbera as críticas ao falho modelo de distribuição social da paisagem urbana dos becos e praças desumanizadas do Rio de Janeiro. O texto dele, de esperança, erguendo a voz contra o descaso, clamando por mudanças efetivas, mostra o quanto é dura e longeva a necessidade de um olhar mais apurado ao pobre cidadão. Quem sabe, com mais uma primavera chegando, a de 2023, este tema, a reforma urbana, volte a surgir como um oásis, desta vez real, onde a dignidade humana possa florescer, deixar de ser um sonho e impor uma realidade, um ritmo, muito mais harmonioso, conciliador, realizador.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
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