Espremendo bem todo este suco de campanha, que corre nas ruas, brilha na TV, existe uma cidade real escondida depois da embalagem, estilo de margarina, com fotos de família em uma mesa farta, destas que estampam uma rica família de uma novela. Pense bem, fale a verdade: algumas propagandas políticas lembra isso, não é mesmo? Enquanto você lê estas linhas, talvez tungando um pãozinho em seu café, provavelmente está pensando em quais os nomes que merecem o seu voto no próximo domingo, dia 6 de outubro. É natural: o tempo da dúvida costuma seguir até o último instante, principalmente para escolha de vereador. Desculpe se estou bagunçando sua cabeça, quero acrescentar algumas coisas neste seu critério de seleção.
No universo político, especialmente nas eleições para as câmaras de vereadores, o voto proporcional muitas vezes parece uma reflexão de última hora. As discussões fervilham em torno dos cargos majoritários, enquanto os nomes dos candidatos ao legislativo permanecem à margem, aguardando atenção. Por isso, geralmente, negligenciamos a importância que deveríamos prestar para este cargo. Mas e se, desta vez, você pudesse usar esse poder para iluminar as sombras da nossa democracia local?
Blumenau, cidade de complexidades múltiplas, esconde em sua história política uma lacuna gritante quando se trata de representatividade. Imagine só: o último vereador negro eleito diretamente para o cargo foi Romário da Conceição Badia, em 1959. Desde então, 65 anos se passaram, e apenas pessoas brancas têm tido o privilégio de opinar e decidir sobre as leis e os rumos políticos local. Curioso, não?
E começo com este destaque não para apresentar nomes, mas, com os números e a matemática que compõe a nossa Câmara de Vereadores, trazer uma perspectiva diferente. A pintura das ruas desta loira cidade deveria colorir, também, com outros tons. Num país onde mais de 50% da população se identifica como preta ou parda, por aqui somos cerca de 20% da população. Em uma conta simples de proporcionalidade, significa dizer que ao menos três cadeiras deveriam ser ocupadas por representantes desses grupos. No entanto, a realidade começa a esbarrar nas candidaturas. Concorrem pouco mais de 16% de mulheres e homens declarados pretos ou pardos.
Mas, este não é o único grupo esquecido na representação social que forma o parlamento local. Elas, as mulheres, são 51% da população blumenauense, mas representam apenas 37% das candidaturas para vereador nesta eleição. Nunca uma mulher foi eleita prefeita, nunca foram maioria na Câmara de Vereadores, nunca presidiram o legislativo local. É como se metade da cidade estivesse sussurrando, quando deveria estar gritando suas demandas e ideias. Compreende?
Quando olhamos para a questão indígena, o sussurro vira quase silêncio: apenas uma pessoa se declarou indígena entre os candidatos. E falando em diversidade, dos 185 postulantes habilitados, somente quatro pessoas assumiram abertamente sua orientação sexual como gay ou lésbica (duas no PT e outras duas no MDB).
Mas por que isso importa tanto? Porque a política com mais diversidade é como um caleidoscópio: ela nos permite enxergar os desafios de Blumenau por perspectivas distintas, muitas vezes mais conectadas com a realidade de cada cidadão. Quando elegemos representantes de grupos minoritários ou historicamente marginalizados, estamos, na verdade, ampliando nossa capacidade coletiva de compreender e resolver problemas.
Imagine uma Câmara de Vereadores onde uma mulher negra possa falar sobre a dupla discriminação que enfrenta no mercado de trabalho. Ou um vereador indígena que possa trazer à tona questões de preservação ambiental e cultural que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. Ou ainda, um representante LGBTQIA+ que possa lutar por políticas públicas de saúde e segurança específicas para sua comunidade.
Cada voto para um candidato de um grupo minoritário é mais do que uma escolha política – é um ato de transformação social. É dizer que acreditamos em uma democracia que reflete verdadeiramente a riqueza e a diversidade da nossa sociedade.
A ampliação da representatividade não é apenas um ideal, mas uma necessidade urgente. Porque quando elegemos alguém, não estamos apenas escolhendo um nome – estamos escolhendo um projeto de cidade, de sociedade. Que tal considerar não apenas as propostas, mas também o poder transformador da representatividade? Seu voto pode ser a luz que ilumina o caminho para uma Blumenau mais justa, diversa e igualitária. Afinal, uma cidade só é verdadeiramente para todos quando todos têm voz nas decisões que moldam seu futuro.
Tarciso Souza, jornalista e empresário
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