Um João… ninguém. Poderia ser o filho de todos, de alguém. Um “eu”, igual a qualquer outro que, como você, só estende a mão para receber o pão, o alimento para engordar o sonho e, de seus braços, retirar a energia para preencher a vida de esperança. Menino feito, cheio de vontades, ignorado, pisoteado, humilhado. A força bruta do Estado, criada para proteção, usou de seu poder para roubar o capricho do pobre rapaz de sobreviver, prosperar e, quem sabe, ajudar o irmão a convalescer.
O desejo de Guilherme, 17 anos, tratado como um criminoso por integrantes da Guarda Municipal de Itajaí, era simples: estudar e contribuir para melhorar as condições da família, o que inclui o auxílio ao enfermo membro em tratamento contra o câncer. O projeto dele era vencer, por meio do esforço de vender um doce alfajor. Recebeu o que ninguém merece: preconceito e truculência.
Estamos vivendo um momento muito estranho no Brasil, em Santa Catarina. Em nosso Estado o sentimento é que foram escancaradas as portas para que a ignorância escapasse. Virou algo comum notícias de indígenas tolhidos do merecido respeito; LGBTQIA+ agredidos; mulheres espandas por seus parceiros; religiosos de matrizes africanas perseguidos; situações análogas a escravidão; negros, pobres, nordestinos, estrangeiros, uma sociedade inteira relegada a uma posição de rebaixamento, de segunda categoria. Não consigo entender como a revolta não aflora contra um Deputado que recebe, com louros e louvor, o homem responsável por tentar e quase matar a esposa, Maria da Penha.
A memória não precisa buscar lá no túnel, no tempo, para recordar de um passado, bem recente, diferente para muita gente, de oportunidades que faziam a vida prosperar. É preciso lembrar que a maioria só espera igualdade, de tratamento, de chances e um pouquinho de humanidade.
O João Ninguém que vende qualquer coisa na esquina, que oferece uma bala, um desenho, uma “limpezinha”, não está ali agredindo, tão pouco empreendendo. Sem romantismo, tudo que deseja é ganhar mais um dia, sobreviver o suficiente para quem sabe encontrar no amanhã a sorte que já possuía, de dignidade e esperança, de respeito e vida.
Be the first to comment