Opinião | Trabalho na infância e adolescência mata

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Dizem por ai que trabalhar não mata. Às vezes as palavras populares não transmitem a sabedoria observada e transmitida ao longo da história. Para uma boa parte que construiu – e dos descendentes que constroem – o Brasil, a vida foi/é resumida em trabalhar até morrer ou morrer de trabalhar. Portanto, trabalhar mata sim! Filosoficamente e também no duro ofício de ganhar o pão de cada dia… de exaustão, estresse, doenças, acidentes.

O que dignifica o homem, portanto, não é o suor mortal que escorrer como lágrima, ou esfola feito lixa grossa, gota-a-gota de tempo que se vai, esvaziado de vida. A jornada de cada um deveria ser de menos luta e mais vitórias… preenchidas de prazeres, descobertas, que contribuíssem para evolução. Todo esforço físico e intelectual, então, revertido para ampliar a qualidade do indivíduo e da coletividade. Infelizmente não é assim! E nossos corpos estão na prateleira do mercado, para servir como mãos, pés, braços, inteiros ao trabalho.

O nosso país, que conta com um dos mais modernos conjuntos de leis trabalhistas do mundo, registra uma das mais longas jornadas de lavro. Começamos mais jovens a servir que boa parte dos trabalhadores de outros países. Com a reforma previdenciária promovida pelo PL e governo Bolsonaro, precisamos também de alguns anos a mais de obrigações para “ganhar” o direito de aposentadoria. E, é bem possível, que muitos ainda afirmarão que trabalhar não mata.

Como disse, há quem defenda que o trabalho enobrece, que fortalece o caráter e educa para a vida. A verdade, porém, é bem menos romântica. Na real que desde que o Brasil é Brasil a história se repete e insiste-se em não compreender e aprender. Com a infância encurtada e uma velhice sem muitas perspectivas, o resultado é sempre o mesmo: apenas um lampejo do que poderíamos ser como nação.

O trabalho infantil e/ou na adolescência mata. Antecipa a vida adulta, as obrigações e necessidades que o corpo e a mentalidade ainda não amadureceram para enfrentar. Pode crer que ele, o trabalho, serve… muito mais aos interesses daqueles que lucram com mão-de-obra barata e sem – ou com poucos – direitos. Para às crianças, que são forçadas a abandonar ou a dividir a atenção de seus cadernos e brinquedos para encarar a dureza de um emprego, o futuro fica mais estreito.

Nem a lógica, nem a realidade parecem tocar o coração de algumas gravatas – babadas de raiva a pobre – de Brasília. Está na Câmara dos Deputados um projeto de lei sob a relatoria do Deputado Gilson Marques (NOVO) que ameaça transformar a infância de muitos em uma lembrança distante e embaçada pela fumaça das fábricas, pelo peso das ferramentas e cestas da vida no campo. E, convenhamos, nada pode ser mais errado do que roubar a essência da infância para trocar por uma produtividade precoce, míope e barata.

Vou repetir: começar a trabalhar com 12, 14, 16 anos permitiu que eu, você, sua família e o país encontrassem este resultado de subdesenvolvimento. É isso que vamos insistir em reproduzir? Certamente, com mais tempo para preparação, as oportunidades no caminho seriam outras. Encontrar no trabalho o rumo para educação é um mito, uma falácia repetida tantas vezes que parece verdade, mas que, na realidade, apenas perpetua a desigualdade e o atraso social.

A verdadeira educação se dá nos livros, nas salas de aula, no convívio com outros jovens, onde o erro é permitido e o aprendizado é o objetivo maior. A escola não é apenas um lugar de conhecimento formal, mas um espaço de construção de sonhos, de descobertas e de desenvolvimento integral. Quando uma criança é forçada a trabalhar, esses sonhos são trocados por tarefas repetitivas e desgastantes, que limitam suas perspectivas e sufocam sua criatividade.

Portanto, este projeto de lei, que busca flexibilizar o trabalho infantil, além de ignorar que crianças não são adultos em miniatura, também fecha a compreensão de mundo em uma realidade de séculos vencidos. Um país que permite que suas crianças troquem, dividam, a escola pelo trabalho é um país que renuncia ao futuro, que condena gerações inteiras à repetição de ciclos de pobreza e exclusão.

O mais incrível de tudo é que os defensores deste projeto, como o Deputado Gilson Marques, buscam espelhar argumentos que não cabem na realidade. É no Ensino Médio que a evasão escolar é mais acentuada. Empurrar os jovens de famílias com adversidades econômicas para servir como mão-de-obra barata não contribui para reverter esta situação. A verdadeira motivação, ao que parece, é manter uma classe trabalhadora dócil e sem perspectivas, que aceita qualquer condição por não ter tido a chance de sonhar com algo melhor.

Mais uma vez, é evidente o erro em colocar a infância em um balcão, negociada como uma mercadoria. É como vender o futuro de tantos como em uma prateleira de promoção.

Trabalhar, trabalhar muito, trabalhar na infância, na adolescência, trabalhar até morrer. A vida é tão curta. Qual a necessidade de antecipar os compromissos de adultos?

Tarciso Souza, jornalista e empresário

3 Comentário

  1. É muito blá – blá.
    A intenção é criticar a direita.
    E para o seu conhecimento, com nossas Universidades completamente dominadas por essas ideologias esquerdistas, os futuros Brasileiros serão marionetes.
    Cadê o ganho com isso?

  2. Atraso social é o que estamos vendo neste governo , que corta milhões da educação e abre cofres para lei rouanet e para conseguir apoio político .
    Trabalho infantil acima dos 14 anos , se bem direcionado , com tempo para estudos não faria mal a ninguém . Não falo de trabalho escravo, falo de trabalho direcionado, com supervisão , com remuneração, com responsabilidade .

  3. Um dos artigos mais profundos que já li sobre esse tema tão sensível! Quisera nossos governantes tivessem essa sensibilidade, de enxergar na educação de qualidade, em todos os seus níveis e a todas as pessoas, um futuro de desenvolvimento humano e econômico. Escrevo por experiência própria visto que me considero uma exceção: um jovem pobre do interior que precisou superar muitos obstáculos (sociais, financeiros, dentre outros) para se formar na universidade. A necessidade básica de sobreviver sempre foi maior: trabalhar para pagar as contas e os altíssimos impostos que não são devidamente devolvidos ao povo. Se passou pela minha mente desistir do sonho de frequentar a universidade? Muitas vezes! Isso porque, diante de tantas dificuldades, não constitui tarefa fácil manter-se estudando (com efetividade). Quantas mentes criativas são perdidas ainda na tenra infância para esse sistema excludente e que explora a mão de obra de crianças e adolescentes que – SIM – deveriam passar o dia todo em espaços educacionais, desenvolvendo seu senso crítico, suas habilidades e criatividade! Porém, não é interesse das elites brasileiras que isso aconteça! E, antes que alguém se ofenda, não creio que a elite esteja preocupada com esse assunto a ponto de ler esse artigo e, mais, postar um comentário. Em outras palavras: a você que acha que é elite, pesquise bem quanto rende a fortuna de quem pertence a um pequeno grupo de famílias que formam nossa elite, mas extremamente poderosa, tão poderosa que consegue influenciar uma parte considerável do povo com sua ideologia de “trabalhe até morrer enquanto nós lucramos sobre vocês!”.

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