Os macacos e a Febre Amarela
O avanço dos casos de febre amarela, especialmente no sudeste do Brasil, nos últimos anos, fez crescer enormemente a preocupação com as formas de contaminação de mosquitos pelo vírus. Os mosquitos são dos gêneros Haemagogus e Sabethes e vivem principalmente nas florestas. Além de humanos, outros primatas são reservatórios naturais do vírus, os macacos, que muitas vezes acabam morrendo em consequência da doença. Porém, mais da metade das mortes de bugios, saguis, muriquis e micos-leões não foram consequência da doença, mas da ignorância. Acontece que as pessoas acabam matando esses animais imaginando que eles possam transmitir a doença para nós. O tempo de permanência dos vírus nos macacos é pequeno, de poucos dias. Ou eles se curam ou morrem, não há meio termo. O problema está no mosquito, que pode conter os vírus por toda a vida e até transmitir aos descendentes. A intempestividade humana pode levar a que, na falta de macacos, os mosquitos venham atrás de sangue humano, piorando a situação. Os macacos são, na verdade, sentinelas e podem indicar a trajetória da doença às autoridades sanitárias. Assim, fica claro que atuam como indicadores e é inteligente que sejam preservados, também por isso.
A força e a resistência da natureza
Há alguns anos, em uma visita técnica a uma estação de tratamento de esgotos domésticos, me deparei com uma situação no mínimo curiosa. O lodo restante do tratamento era depositado em baias para secagem e depois de uns dias estava repleto de mudas de tomate. Cada semente de tomateiro é extremamente resistente, como as de tantas outras plantas, e havia passado por uma verdadeira maratona de provações: mastigação (e talvez cozimento) do tomate, agressão pelo suco gástrico no estômago humano, eliminação com as fezes, encharcamento na tubulação, processamento na estação de tratamento e disposição na baia de secagem. Ainda assim e talvez até por isso, estava ali protegendo o seu embrião e pronta para permitir a sua germinação, gerando uma nova planta. Esta história nos mostra bem como é importante a continuidade da vida e como ela é garantida pelos mecanismos naturais, apesar das dificuldades que enfrenta. A moral desta história é justamente respeitarmos cada forma de vida, por mais singela que ela nos pareça, atribuindo a ela um valor intrínseco e diminuindo a impressão de que só a vida humana tem valor.
A ecologia e o Aedes aegypti
Um pequeno mosquito originário do Egito, como o próprio nome diz, tem tirado o nosso sono e não é pelo incômodo som produzido pelo movimento rápido de suas asas próximo aos nossos ouvidos. Na verdade, a nossa maior preocupação são suas fêmeas, que sugam o sangue de mamíferos, como nós, para obterem proteínas necessárias à reprodução (maturação dos ovários). O problema está no fato das fêmeas portarem vírus que estavam no sangue de pessoas picadas e transmiti-los a outras pessoas. Porém, o mosquito tem também um papel ecológico, servindo de alimento para muitos outros animais. Isso mantém baixas as populações de mosquitos no ambiente natural, diferentemente do ambiente urbano, em que criamos situações para o aumento dos indivíduos e em que a densidade populacional humana aproxima as pessoas. Controlar focos de proliferação dos mosquitos para evitar doenças como a dengue, a zica e a chicungunha é extremamente importante, mas manter os ecossistemas equilibrados, principalmente as florestas e áreas pantanosas, seria o caminho mais natural e mais duradouro.
Estas histórias precisam levar-nos à reflexão sobre como enxergamos e lidamos com a natureza, inclusive aquela que está bem próxima de nós.
José Sommer, professor, biólogo e educador ambiental
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