De modo geral, não é prudente esperar muito de um presidente eleito – antes façamos a nossa parte. Tudo que se possa protestar a esse respeito cabe numa expectativa de três requisitos, nada mais, quais sejam: 1) que o governo deixe em paz quem trabalha e produz; 2) que seja cooperativo e dialógico e 3) que apresente um plano educacional, pelo amor de Deus, que um dia o eleitor ilumine.
Obviamente, importam qualidades morais como idoneidade, caráter, legalidade, respeito às crenças do povo, conduta exemplar e distanciamento da roubalheira. Solidariedade e identificação com o homem comum também é indispensável. Por extensão, precisa demonstrar sonhos republicanos, capacidade de realiza-los, amor às crianças e gana pelo desenvolvimento.
Contudo, nas democracias multipartidárias, qualquer partido lança um candidato que, ao cair nas graças do povo, será eleito, bonito ou feio, preparado ou não a exercer o cargo. E não adianta sonhar com ditadura, nem sociedade sem classes. Ajustar a democracia é o que podemos fazer, aqui e ali, pois, como dizia o velho Churchill, é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros.
Quando analisou características do líder político, por sua vez, o sociólogo alemão Max Weber identificou três principais: 1) carisma, 2) tradição e 3) conhecimento. Nessa perspectiva e nas circunstâncias históricas do Brasil, os dois primeiros têm peso, enquanto o terceiro depende da sorte. E não adianta improperar o povo, porque as elites escolhem tão bem ou mal quanto e são responsáveis pelo atraso do País: negligenciaram a Educação.
Teremos sorte se o próximo presidente, seja quem for, ajustar seus atributos populares aos três requisitos que aqui sugerimos. Sim, acontece aos poucos, passos de caranguejo, com maior ou menor velocidade e direção. Depende das pressões da classe média que, graças a Deus a temos densa – mais ou menos consciente da prioridade e praticabilidade desses três requisitos.
O primeiro é não importunar quem faz o País avançar, com seu trabalho, ambições, inteligência, instrução e empreendedorismo. A capacidade de pagar impostos está esgotada no patamar intermediário, como no de baixo. Só os muito ricos contribuem pouco. O tempo dos patrimonialistas, tempo demais, deve acabar, ou acaba com o País.
Governos patrimonialistas são preguiçosos e punem quem trabalha. Exemplos? Não corrigir a tabela do IR há 13 anos; suspender habilitações de quem trabalha e sequer atropelou uma minhoca na vida. Extrair recursos de estados produtivos e não retribuir com obras de infraestrutura (leia-se artigo “Quando a recompensa é a punição”, 10/07/2022, nesta Coluna).
O segundo requisito é uma predisposição franciscana a cooperar e uma consequente capacidade de dialogar, com todos os setores, do legislativo às universidades, passando pelos segmentos representativos da Sociedade e pelos entes federativos subnacionais. Cooperar e reunir os divergentes na convergência republicana é o mais difícil e necessário dos atributos da governabilidade.
Por isso, é talvez a maior qualidade de um governante, isto é, sua capacidade de fazer os atores cooperarem, estabelecendo consensos mínimos, por exemplo, em torno de uma política monetária, de um plano de revigoramento da indústria, de transferência de rendas, de redução de impostos ou de um plano educacional na promoção do desenvolvimento de longo prazo.
O terceiro requisito é justamente um plano para a Educação. É impressionante como a opinião pública, sem distinção de classes, acredita que será possível que um presidente, que governos, salvadores da pátria, de direita ou de esquerda, possas fazer do País uma potência, sem um plano educacional correspondente a tal aspiração.
A baixa qualidade da Educação brasileira, simplesmente, não nos permitirá a materialização dessa vontade de potência, mera demagogia na boca de mentirosos cujo paradoxal carisma e falsa moralidade convencem fanáticos e ignorantes – que nem sempre são a mesma coisa. Veja o leitor o quadro abaixo e tente responder se o mais incrível presidente seria capaz de plantar a árvore do desenvolvimento sem revolver esse terreno:
PISA: nível de proficiência escolar abaixo de 2 (numa escala de zero a 5), de alunos de 15 anos
Leitura | Matemática | Ciência | |
Brasil | 50,1 | 68,1 | 55,3 |
OCDE | 22,7 | 23,9 | 21,9 |
Fonte: OCDE
Um documento, intitulado Competitividade Brasil 2019-2020, da Confederação Nacional da Indústria – CNI – revela que o Brasil tinha 9,3% de matrículas de jovens no ensino profissionalizante, ante uma média de mais de 50% em países da União Europeia. Comparado com os 38 países da OCDE, o Brasil tem 25% de jovens que nem estudam, nem trabalham, ante 12% na OCDE.
Desde a redemocratização, avançamos, sim – pra dar razão ao velho Churchill. Os dois maiores feitos foram o fim da inflação e a instauração das políticas de transferência de renda. Também universalizamos, tardiamente, a alfabetização e modernizamos o Brasil. Ainda faltam três: uma reforma tributária e fiscal, uma reforma legal para punir a violência e uma reforma educacional.
A reforma educacional será talvez a mais difícil, por razões ideológicas que obliteram a percepção sobre as necessidades reais dos jovens. Será preciso descentralizar e estimular uma Educação para o desenvolvimento local-regional. Controlar, a um tempo, preconceitos tolos, dos dois lados. Desconstruir o discurso anticapitalista, instituir uma compreensão honesta do liberalismo e superar o corporativismo dos educadores.
Reconheça-se a falácia de pedir que Deus nos ilumine. Isso seria como escrever uma carta ao presidente, pedindo que autorize os bancos a emprestar dinheiro aos beneficiados do Transferência Brasil. Aí não, né? Já recebemos o maior dos presentes: o livre arbítrio que nos obriga a fazer a nossa parte e, na condição de eleitores, exigir prioridade à Educação. É a única maneira de nos livrar dos salvadores da pátria e sermos a potência que nós mesmos construiremos.
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