Opinião: vacina, voto impresso, educação e instituições

Imagem: Informe Blumenau

O que a suspeita de propina para a compra de vacinas tem a ver com a possibilidade do voto impresso nas eleições de 2022? A princípio, nada. De bom, o fato de que nenhum dos dois casos é efetivo. De fundo, revela nosso problema original e o quanto está naturalizado na cultura do País: o velho e nefasto patrimonialismo. Não há solução de curto prazo à sua erradicação. Somente a inserção do tema nos currículos escolares pode gerar uma consciência e vislumbrar solução futura, quando eleitores compreenderem que a solução está nas instituições e não em salvadores da pátria.

A suposta tentativa de propina na compra de vacina indiana, intermediada pelo líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), desviaria uma grana preta do bolso do contribuinte, coisa de mais de R$ 1 bi. Isso só é possível com superfaturamento, coisa que, aparentemente, não foi possível com a vacina da Pfizer, mais barata, que o governo federal recusou no ano passado. Por que recusou? Bom, vai ter de se explicar e, enquanto não o faz, dá margem a deduzir que foi porque seu líder na Câmara não tinha um conhecido ali pra intermediar. Se isso não é verdade, porque o governo não desmente logo isso?

Nem se fale mais, porque, de pensar que seja verdade, terá levado pessoas à morte, pelo atraso das vacinas, e será motivo ao impeachment do presidente. E lá se vai a crença de brasileiros de que a corrupção neste governo seria combatida. Isso pra quem ainda acredita, depois da saída do ex-ministro Moro, para livrar o filho do presidente das investigações sobre a “rachadinha”. Sabemos, cada vez mais, que o centro do problema está no famoso “centrão” do Parlamento, com quem Bolsonaro jurou não negociar. Se nos governos anteriores isso foi a regra e o atual a mantém, só o Chapolin Colorado poderá nos salvar.

Com o mesmo desdém da prevaricação, o Executivo insiste no voto impresso, antecipando uma grave acusação de fraude eleitoral do que, até agora, não deu provas, nem evidência lógica. Se isso cheira a patifaria, o que pouco levamos em conta é que isso custaria mais R$ 2 bi do dinheiro do contribuinte, tudo para satisfazer um “capricho” de quem não se importa com o custo, e pra algo inútil. Esse dinheiro representa 10 por cento do que o Executivo reservou no orçamento aos seus apoiadores do “centrão”, em troca de evitar um processo de impeachment. Agora sabemos porque a Tia Dilma foi defenestrada, não?

Essa irresponsabilidade com o orçamento público, que não é de agora, mostra com que profundidade o patrimonialismo está enraizado na cultura política brasileira. Na cabeça do brasileiro, o patrimônio público serve para o enriquecimento do patrimônio privado de quem administra o Estado. Imaginemos se isso é normal no país de Angela Merkel. Claro que não, porque lá o Estado existe para servir a Sociedade, enquanto cá a regra é o contrário. E isso é possível porque, no fundo, brasileiros, admitimos que assim seja, “não sei como, só sei que sempre foi assim”, dizia o Chicó.

Mas um dia isso tem que mudar, ou nunca seremos o país que queremos ser. No curto prazo, se esqueça. Teremos este ou qualquer outro governo submetido à mesma regra. Mudam os governantes, mantêm-se as regras e com a cumplicidade de eleitores, pois, afinal, alguém elegeu o “centrão” e foi valorizando (frequentemente vendendo) o seu voto. Governantes podem até ser melhores, por questões pessoais, de formação moral, de inteligência republicana, de habilidade dialógica e capacidade de agregação etc. Mas a regra e o problema persistirão, até que as condições para a mudança venham a estar maduras.

Mas como? Pela educação. Não tem outro jeito, nem há condições de curto prazo, pela simples razão de que quem poderia mudar a regra, seria prejudicado pela nova regra. Quando o Ensino nacional der menos importância a certos temas e começar a priorizar outros, então teremos a chance de mudar o `País. Primeiramente, teremos de introduzir radicalmente temas como o patrimonialismo e a importância das instituições (leis, normas e regras). Isso é possível (e me dedicarei a explicá-lo no próximo artigo desta Coluna). Precisamos ensinar às crianças e adolescentes que instituições ruins arruínam nossas chances e, ao contrário, seguindo a máxima do “Espírito das leis”, de Montesquieu, boas instituições formam bons indivíduos e estes gerarão grandes nações.

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