O velho marketing político, que fez brilhante carreira no país, ajudando candidatos a burilar identidades, exibir virtudes e esconder deficiências, está prestes a dar adeus ao cenário. Engolfado por uma nova textura social, em cujo seio viceja uma cidadania ativa, fincada, sobretudo, no terreno da racionalidade, o marketing eleitoral começou a mexer com suas ferramentas na era Getúlio, com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), chefiado por Lourival Fontes, que, após visitar a Itália e conversar com Mussolini, trouxe para cá as técnicas de manipulação da maquinaria psíquica então criada por Goebbels, na Alemanha, a serviço do nazismo e do fascismo.
Vargas moldou seu perfil: estadista, magnânimo, corajoso, pai dos pobres, conhecedor dos homens. O Estado Novo construía alicerces, abafando o discurso libertário, abolindo intermediários entre povo e governo, e sob o patrocínio de obras de vulto, como a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. Já em sua volta, em 1950, a articulação com as massas, uma das pernas do marketing político, foi intensamente usada.
Percorreu todos os Estados, lendo discursos que tinham como foco demandas locais e regionais, e se firmando como o líder nacionalista, para o que contribuiu a campanha “o petróleo é nosso” e a criação da Petrobras, em 1953. O ufanismo ganhou as ruas na campanha presidencial, sob a letra da paródia: “bota o retrato do Velho, outra vez no mesmo lugar. O retrato do velhinho faz a gente trabalhar”.
Os usuários do velho marketing se sucediama. Juscelino Kubitschek, Nonô para os íntimos, carismático, com seu permanente sorriso, deu impulso à internacionalização da economia. O peixe vivo da modinha mineira, JK usou a propaganda para fixar a marca 50 anos em 5, onde apresentava o Plano Quinquenal. Já se via um marketing formado pelas pernas do contato com as massas (usava um Douglas-DC 3 para viajar pelos Estados), por um programa de governo e um pacote de slogans e músicas, realçando o perfil do “pé de valsa”.
Veio, depois, Jânio Quadros, o ícone do marketing irreverente. Instigado a dizer se faria um governo como o de JK, respondeu na lata: “50 anos em 5 mais juros e correção monetária”. E respondendo à pergunta de um repórter contratado em 1954 por Ademar de Barros, por ocasião da eleição para o governo de SP: “por que o senhor bebe tanto?”. Jânio: “bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia”. Olhos esbugalhados, voz ríspida, em cada frase uma reprimenda, mangas do paletó cheias de caspa – uma estética estrambótica.
Os tempos de chumbo se instalaram sob o colchão nacionalista, que ganhou força com o refrão “pra frente, Brasil” e “O Brasil Grande”. Fanático pelo Grêmio, Garrastazu Medici ouvia jogo com um radinho colado no ouvido, maneira com que o forte apelo da mídia governamental popularizou a imagem do ditador. Na redemocratização da era José Sarney, o marketing se perdeu no emaranhado de moedas que o governo criava para combater a inflação. Plano Cruzado, Plano Bresser, plano Verão. O grande feito foi o “boi no pasto”. Que podia ser capturado para segurar o preço da carne. Os fiscais de Sarney controlavam os preços em supermercados. E assim, o MDB de Sarney acabou ganhando todos os governos estaduais, com exceção de Sergipe, com vitória de Antônio Carlos Valadares, do então PFL.
Na trajetória mercadológica, surgiu Fernando Collor com seu marketing exacerbado. Que não conseguiu atenuar os impactos negativos do confisco da moeda, ideia comandada pela economista Zélia Cardoso de Melo. Collor fazia cooper, correndo pelos espaços em torno da Casa da Dinda, seguido de um batalhão de jornalistas, ele, atlético exuberante, portando a camisetas com os dizeres: “o tempo é o senhor da razão”. Acabou renunciando para não ser impichado. A propinagem era alta. Seu executivo de Finanças, Paulo Cesar Farias, foi flagrado em corrupção. O vice-presidente, Itamar Franco, assumiu e seu grande feito foi a encomenda do Plano que acabou com a inflação nas nuvens: o Plano Real, comandado pelo scholar Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda. Que usou o marketing em toda sua plenitude.
Nesses tempos, o marketing ganhou a criatividade de publicitários, entre eles, Duda Mendonça, um baiano que vestiu a área com uma vestimenta de alta visibilidade. Os programas eleitorais ganharam efeitos cinematográficos. O plano das metáforas e comparações foi elevado. Os candidatos passaram a ser a atores representando peças de impacto. Os debates eleitorais, um espetáculo. Os encontros regionais pavimentavam o caminho dos querelantes. “Ele fez, ele faz”, velho refrão das campanhas de Paulo Maluf, em SP, foi o retrato de uma época. O refrão da “fazeção” domina peças de marketing até hoje.
Nesse ponto, emerge a era Lula. Que passou a usar o marketing eleitoral com todos os ingredientes: pesquisas, discurso, comunicação, articulação com a sociedade e mobilização das massas. O ex-metaúrgico usa, até hoje, o palanqueiro para conclamar as plateias. Mas esse velho estilo está dando adeus. O voto sobe do coração para a cabeça. A racionalidade chega na onda das redes sociais. A civilização digital imprime novas de ação. Os antenados querem fazer seu marketing ou responder aos adversários. O processo político se acirra. O ciclo do marketing tecnológico emerge na paisagem, dando adeus ao vovô da propaganda política.
Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
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