Propósito, superestimado propósito

Marina Melz

Jornalista

 
Estou perto dos trinta e tenho uma dezena de amigos da minha faixa etária com uma frustração comum: não saber qual é o seu propósito. Isso num tempo em que esse termo está na capa das revistas, no topo dos best-sellers, em boa parte dos clickbaits sobre cursos online e consultorias de todo o tipo, nos discursos dos palestrantes bombados.
 
Não ter clareza sobre o seu papel profissional e qual o impacto que ele vai trazer no mundo é o novo armário. Sair dele parece motivo de vergonha e pecado. Mas só parece.
 
Há quem tenha feito intercâmbio, retiro espiritual, ano sabático, filho. E nada. “O propósito está dentro de você”, dizem. Acontece que a decepção de tentar extrair a fórceps um conceito parido de qual é o nosso papel nesse mundo só aumenta o desespero de quem já vasculhou tanto quanto pode. Aumenta um vazio imaginário.
 
Precisamos parar de sussurrar quando admitimos que não sabemos. Que às vezes trabalhamos só porque precisamos do salário no fim do mês. Que queremos mudar o mundo, mas não temos ideia de por onde começar. Que o que somos bons em fazer nem sempre nos faz feliz quando fazemos. Que queremos trocar de emprego, de país e de atividade e não sabemos nem por que. O problema é que esse monte de verdades inconvenientes vai se acumulando nos segredos entre amigos e sendo veementemente negado nas entrevistas de emprego, conversas de botequim e redes sociais.
 
Aí fica todo mundo bitolado no outro. Que na verdade está bitolado no um, entende? O nosso olhar viciado em ver a grama do vizinho mais verde continua. Mas nosso desespero é tanto que não estamos nem sendo capazes de perceber que às vezes ela é de plástico.
 
O conceito de propósito é lindo. Mas não é necessariamente profissional, não tem a ver com voluntariado, não é definitivo e nem é um portal mágico para a felicidade diuturna e interminável. E é isso que querem fazer com que a gente acredite.
 
Saber formar uma frase com o seu porquê no mundo não define as qualidades e muito menos limita o potencial de ninguém. Mas estamos paralisados visualizando esse oásis de plenitude e nos sentindo incompetentes por não conseguirmos estar lá.
 
É urgente pararmos de superestimar quem arrota propósito. É necessário duvidarmos de certezas absolutas, histórias bem-sucedidas sem tombos, carreiras meteoricamente ascendentes, voluntariados emocionantes com financiamento duvidoso.
 
Precisamos acreditar mais no fazer o melhor possível. Mais em sermos possíveis. Nos dias ruins que acontecem com todo mundo. Nos dias bons que também não são exclusividade de quem já combinou palavras mágicas e montou uma frase pra chamar de propósito.
 
Acreditar em quem acredita na gente e desacreditar em toda felicidade sem inconstância. Acreditar em nós, que estamos construindo nossas histórias todos os dias com erros, acertos e quase nenhuma certeza.
 
Ou paramos de nos iludirmos com essa febre de termos um propósito que nos leva a plenitude ou podemos viver uma derrocada coletiva. E não queremos que ela aconteça. Não de propósito.

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