Alexandre Gonçalves
Jornalista
“Este ano parece que este voou”. “Será que 2016 não acabará nunca?”
Quantas vezes nos pegamos ouvindo ou mesmo repetindo essas contraditórias frases? O questionamento vale também para outras, do tipo “meu dia precisava de mais de 24 horas” ou “esta hora que não passa”.
O tempo. Ele é universal, mas individual.
A definição de tempo é uma daquelas convenções que norteiam o funcionamento da nossa civilização, desde o começo. Vem da filosofia e da física. Foi e é fundamental na organização da sociedade ao longo da história.
Immanuel Kant, filósofo, físico e matemático na segunda metade do século XVIII, disse “que o tempo é uma estrutura da relação do sujeito com ele próprio e com o mundo”. Falou isso lá pelos anos de 1760, 1770 ou coisa parecida. Assim se entendia antes mesmo daquela época e assim permaneceu, mesmo com a Revolução Industrial, que mudou o planeta nos anos de 1800.
Hoje, mergulhados na revolução tecnológica, a definição de Kant permanece, mas a “relação do sujeito com ele próprio e com o mundo” mudou. Não é mais linear. É multifacetada.
Estamos permanentemente conectados em muitas telas. Com quem amamos, com quem gostamos, com quem nos relacionamos, com quem toleramos e até com quem não gostaríamos de ter por perto. Desconhecidos fazem parte da nossas vidas, como fazemos das dos outros. Trocamos ideias, emitimos opinião, sabemos de tudo sobre um monte de coisa, ou pelo menos pensamos saber.
Somos instigados permanentemente, precisamos dar respostas rápidas. Apitou no celular, temos que olhar, dar um sinal de vida. Não responder imediatamente é sinal de má educação.
Refletir para dar resposta ou manifestar-se é coisa para os “antigos”. Não temos mais tempo para tanto.
A literatura foi substituída pela leitura em aparelhos celulares.
As informações chegam aos milhares, sempre seguindo as lógicas que condicionamos nossos robôs computadores e somos condicionados por eles.
As mensagens são fragmentadas, superficiais. Possuímos alternativas, como nunca tivemos, de acessar informações mais completas, mas afinal, quem tem tempo?
Vivemos tempos diferentes, atuais. Tudo pede instantaneidade, velocidade.
Parecemos mais angustiados.
Temos hoje infinitas possibilidades e isso nos toma tempo. Tempo de desfrutar nossos desejos mais primários, de conversar, de amar, ou simplesmente viver sem pisar no acelerador. De estar fisicamente conectado.
2016 está acabando, 2017 começa. Isso na simbologia criada por nós.
O tempo continuará o mesmo. O ritmo dele, nós decidimos. Eu quero ele com mais qualidade neste novo ano.
Feliz 2017!
PS: O título deste post refere-se a um documentário que assisti nesta semana, de Adriana L. Dutra e Walter Carvalho. Tem no NOW da Net. Vale a pena procurar.
É bem verdade esse artigo. A meu ver, no entanto, esse mundo conectado parece nos dar uma vida mais ‘cheia’, quando na realidade, se não cuidarmos, ela será mais vazia. A tecnologia traz muitas possibilidades, mas em geral, não passam de momentos efêmeros. Particularmente tenho saudade da época em que não existia smartphone, por exemplo. Até relacionamentos se tornaram descartáveis e a tecnologia certamente contribuiu para isso.