Série Mulheres de Luta no Informe Blumenau

Neste mês mês de conscientização pelos direitos das mulheres, o Informe Blumenau publicou em seu Instagram uma série de reportagens e fotos chamada Mulheres de Luta. Produzida pela jornalista Rafaela Costa e a produtora cultural Isabella Balieiro, com o apoio das jornalistas Bruna Neto e Danubia de Souza, a série é uma pesquisa biográfica que associa a história de oito mulheres que nasceram ou atuaram em Blumenau com o resgate de conquistas e avanços de direitos, ressaltando a importância do movimento de mulheres na ascensão social e cultural de toda a comunidade.

Por conta da relevância e da repercussão da série, reproduzimos aqui no Informe Blumenau. As organizadoras estão buscando apoio para levar o projeto a mais locais, com cotas de R$ 200,00, que reverterão em divulgação. Contatos podem ser feitos pelos fone (47) 99133-4340 / (18) 98802-2079

A série conta com oito homenageadas: Elena Cadente, Noemi Kellermann, Lilli Steffens, Maria Antônia Valério da Costa, Maria Emília de Souza, Shirle Cabral de Souza, Sônia Miranda Alves e Sueli Petry.

Confira.

Noemi Kellermann

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.” Artigo 1 da Declaração Mundial dos Direitos Humanos de 1948.

Noemi Kellermann, 83 anos, é professora aposentada, integrante do conselho do Museu de Arte de Blumenau (MAB) e voluntária do programa CVV.

Naturalmente gaúcha, veio para Blumenau na década de 70 a pedido do maestro Oscar Zander para reformular o então Conservatório de Música do Teatro Carlos Gomes. Formada em Educação Musical na Áustria, atuou como professora na Fundação Nacional das Artes, na Universidade FURB (onde foi diretora da Divisão de Cultura) e no Teatro Carlos Gomes (ocupando também o cargo de Diretora da Divisão de Cultura). Presidiu o Conselho Municipal de Cultura diversas vezes a partir da década de 90, foi reconhecida com o prêmio Cisne Negro e com as medalhas Antonieta de Barros e Cruz e Souza.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi escrita na década de 40 por representantes de origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo. O documento fortalece a democracia, as negociações sobre conflitos internacionais e os Direitos Humanos. Os acordos promovem respeito universal e observância dos direitos humanos, liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. O Artigo 1 é abrangente e resume o básico para uma convivência humanizada entre os povos.

Sueli Petry


“1932: Mulheres conquistam direito ao voto.” Decreto 21.076 do Código Eleitoral.

Sueli Vanzuita Petry, 74 anos, é professora, historiadora e diretora do Patrimônio Histórico Museológico da Secretaria Municipal de Cultura de Blumenau, sendo responsável pelo Arquivo Histórico na Rua das Palmeiras. Nascida em Indaial, completa 50 anos de atuação no serviço público agora em 2023.

Graduada e mestre em História, Sueli é especialista em Administração de Arquivos pela UFSC, leciona na FURB e é responsável pela revista Blumenau em Cadernos da Fundação Cultural de Blumenau. Atua também como pesquisadora, escritora, integrante do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Blumenau, do Conselho do Patrimônio Edificado do Município e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

1932: Voto feminino é reconhecido no Brasil

1933: Mulheres exercem o direito de votar e de serem votadas na Assembleia Nacional Constituinte. A médica paulista Carlota Pereira de Queirós é a primeira mulher a ser eleita deputada federal da América Latina

1934: Voto feminino é incorporado à Constituição, mas é facultativo

1965: Torna-se obrigatório, sendo equiparado ao voto dos homens

Maria Antônia Valério da Costa


“1934: Constituição proíbe diferença salarial entre homens e mulheres.”

Maria Antônia Valério da Costa, 93 anos, é natural da parte rural de Rio Negro. Criou sete irmãos menores e só começou a frequentar a escola com 10 anos, quando teve apenas um dia para aprender o conteúdo e decidir se entraria na 1ª ou na 3ª série (entrou na 3ª).

Aos 20 anos casou-se e veio para Blumenau. Aos 22 anos perdeu sua filha primogênita no parto, aos 34 adotou o primeiro filho homem e aos 37 adotou o segundo. Aos 34 anos precisou retirar grande parte do sistema reprodutor e aos 49 anos teve câncer de mama, quando retirou um dos seios.

Conseguiu uma vaga de trabalho no banco, mas teve que desistir pois nem o pai, nem o sogro permitiram. Maria Antônia votou até a eleição de 2012.

A Constituição de 1934 consagrou pela primeira vez o princípio de igualdade entre os sexos:

– Proibição das diferenças de salários para um mesmo trabalho por motivo de sexo;

– Proibição de trabalho a menores de 14 anos e de trabalho noturno a menores de 16 anos, proibição de trabalho a menores de 18 anos e mulheres em indústrias insalubres;

– Garantia da assistência médica e sanitária à gestante e descanso (antes e depois do parto) através da Previdência Social.

Elena Cadente, 102 anos


“1988: Constituição garante direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas”

Elena Cadete, 102 anos, é indígena Kaingang natural do Rio Grande do Sul e atualmente vive na aldeia Sol do Amanhecer, na Via Expressa em Blumenau. É mãe de nove filhos, todos residentes em terras demarcadas.

Até hoje trabalha como artesã e anda cerca de três quilômetros para buscar bambu e confeccionar chapéus, cestos, peneiras, filtros dos sonhos ou outras peças tradicionais da cultura. Morou por muito tempo em Chapecó, quando participou da luta pelo reconhecimento da terra e pertencia à família da primeira liderança no local onde hoje vivem cerca de 2600 pessoas.

Os Kaingangs, assim como os Xoklengs e Botocudos, viviam em Blumenau antes da colonização alemã e foram expulsos ou massacrados. Hoje em dia existe pouco registro histórico ou físico das famílias que ocupavam as terras da região.

A Constituição da República Federativa de 1988 reconheceu aos indígenas o direito originário à terra que tradicionalmente é parte essencial das práticas e modos de vida dos povos originários. Esta mudança trouxe a 

segurança para diversas etnias, facilitando e preservando sua cultura e dos territórios. A população indígena hoje no Brasil é de cerca de 250 mil indivíduos, distribuídos em 200 grupos étnicos com mais de 170 línguas. Estima-se que em 1500 os indígenas somavam de dois a cinco milhões de pessoas.

Atualmente os povos lutam contra a tese do Marco Temporal, que propõe que sejam reconhecidos aos povos indígenas somente as terras que estavam ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal em 1988.

No mês de março, uma audiência solicitada pelo povo Kaingang de Blumenau para reconhecimento de território e garantia de segurança foi cancelada pois nenhuma das autoridades confirmou presença na reunião. As famílias aguardam uma nova data.

Audiodescrição: Mulher indigena com cabelos grisalhos segurando uma lousa escrito sobre a constituição de 1988, sentada em frente a um varal cheio de artesanato e ao fundo casas feitas de bambu e lona.

Maria Emília de Souza


“2001: Aprovada a Lei do Assédio Sexual | 2006: Aprovada a Lei Maria da Penha”

Maria Emília de Souza, 69 anos, é professora e servidora pública aposentada. Foi Secretária Municipal de Assistência Social entre 1997 e 2004, e vereadora entre os anos de 2005 e 2008. No parlamento conseguiu aprovar mais de 80% dos projetos de leis apresentados.

Nascida em Brusque, sempre atuou em movimentos populares e sindicais, criando políticas públicas de saúde, educação e moradia. Foi responsável por implementar serviços de atenção e proteção às mulheres e filhos vítimas de violência doméstica – incluindo a estruturação do Abrigo Municipal Casa Eliza.

Maria Emília também criou projetos populares de habitação (conjuntos habitacionais, regularização de terras, realocação de famílias das áreas de risco), além do programa Renda Mínima (para moradores em situação de vulnerabilidade) e o Movimento é Vida junto com 30 polos do Centro de Convivência (para atenção à população idosa). 

No Brasil, em 2021, um estupro foi registrado a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas. O país é o quinto lugar do mundo que mais mata mulheres. Em quase 90% dos casos, os agressores são companheiros ou ex-companheiros. Em 60% dos casos as vítimas eram negras e em quase 70% das situações o crime aconteceu dentro da própria residência.

Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em 2021 aponta que 40% das brasileiras sofreram algum tipo de assédio sexual nos 12 meses, que equivale a 26,5 milhões de mulheres. Em 2022 o Disque 100 divulgou que crianças e adolescentes foram 79% das vítimas em denúncias de estupro registradas no serviço. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Santa Catarina lidera tentativas de estupro registradas no Brasil.

Lili Steffens


“2015: Profissão de empregada doméstica é regulamentada”

Lili Steffens, 86 anos, é mãe de três filhos e foi empregada doméstica, costureira, escritora e palestrante. Nascida e criada em área rural, aos 5 anos perdeu os dois braços em um acidente no engenho de cana.

Começou a trabalhar ainda jovem em uma fábrica, mas por ser uma pessoa com deficiência não tinha carteira assinada e ganhava a metade do salário dos seus colegas. Durante grande parte da vida costurou vestidos de festa por encomenda, fazendo todas as suas atividades com os pés.

Publicou três livros, recebeu o troféu Destaque Literário, concedido pela Sociedade de Escritores de Blumenau, e a medalha de honra ao mérito Antonieta de Barros da Assembleia Legislativa pelos trabalhos em defesa dos direitos das mulheres.

Em 2015 a PEC das domésticas foi aprovada, regulamentando a atividade 92% ocupada por mulheres. Destas 65% são negras, a maioria está acima dos 40 anos e tem uma renda média de um salário mínimo. As regras fixaram jornada de trabalho, férias remuneradas, piso salarial, benefícios, aposentadoria, normas de descanso e alimentação. 

De acordo com dados divulgados pelo IBGE, quase 70% da população com deficiência não possui ensino fundamental completo e somente 16% completaram ensino médio ou superior e menos de 30% estão no mercado de trabalho – contabilizando quase 500 mil pessoas.

A Lei da Inclusão nas escolas foi aprovada em 1989 e define como crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou extinguir a matrícula de um estudante por causa de sua deficiência, em qualquer curso ou nível de ensino, seja ele público ou privado.

A Lei das Cotas para inclusão de PCD foi aprovada em 1991, obrigando grandes empresas a contratarem pessoas com deficiência de acordo com a quantidade de funcionários. A norma só passou a valer no ano 2000, quando se iniciou a fiscalização do seu cumprimento. O texto especificando as deficiências enquadradas também foi incluído em 2004.

No momento dona Lili Steffens está sem receber benefícios sociais. Um dos seus livros, “Os pés da Libertação” está disponível para venda por R$ 15 e pode ser comprado com a filha Zeli pelo telefone (47) 99604-3336.

Sônia Miranda Alves


2009: Bolsa Família passa titularidade preferencialmente para mulheres”

Sônia Miranda Alves, 59 anos, é natural da Bahia e veio para Blumenau em 2010. Começou a trabalhar aos 14 anos em uma fazenda de cacau e teve sua primeira carteira assinada anos mais tarde, no Espírito Santo. Tem uma filha, um enteado e um neto que vivem aqui, e atualmente trabalha na limpeza de um Posto de Saúde na Água Verde.

Sônia é moradora e liderança na luta por moradia no Morro da Garuva, região sul de Blumenau. O nome do morro tem origem num dos primeiros moradores da antiga Garuva. A área ocupada constitui-se em terras privadas, as quais, até a década de 1990 abrigaram apenas alguns poucos trabalhadores que se inseriram na economia local com empregos de baixa remuneração ou ocupações informais.

Há 5 anos um grupo de famílias comprou lotes na parte mais alta do local e construiu suas habitações, onde atualmente existem 80 casas. Até hoje os moradores solicitam água encanada, saneamento básico, e a maioria ainda não tem acesso à energia elétrica. A vigilância sanitária já confirmou a presença de bactérias e água contaminada.

De acordo com o IBGE, metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. O Bolsa Família, criado em outubro de 2003, é um programa de transferência direta de renda voltado para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em todo o país. Em 2019 um decreto instituiu que a titularidade do programa passaria a ser preferencialmente de mulheres quando indicada como responsável pelo sustento do lar, garantindo autonomia, poder de decisão, equidade econômica e mobilidade social. 

Em 2013 Blumenau liderava o ranking divulgado pelo IBGE de pessoas morando em favelas ou áreas irregulares de Santa Catarina, totalizando 17 mil moradores (7% da população) e sendo maior proporcionalmente do que Florianópolis (4%). Apesar do IDH da cidade ser 0,85 (25ª no cenário brasileiro), há 10 anos o IBGE divulgou que mais de 13 mil pessoas ainda viviam em situação vulnerável à pobreza, ganhando menos de $ 1,25 por dia.

Shirle Cabral de Souza


“2022: Mulheres conquistam direito de fazer laqueadura sem autorização do cônjuge”

Shirle Cabral de Souza, 62 anos, é natural do Rio de Janeiro e veio para Blumenau em 1991. Tem uma filha, 3 netos e 2 bisnetos. Começou a trabalhar aos 14 como auxiliar de produção em uma fábrica e depois passou a ser costureira, profissão que desempenhou até os 50 anos.

Aos 53 ingressou na graduação de Gestão Imobiliária e logo depois foi diagnosticada com câncer de mama. Durante todo o curso fez tratamentos ou cirurgias e se formou aos 55. Um ano depois tirou carteira de motorista, ingressou na especialização em Imóveis e pós-graduação em Vendas. Atualmente busca emprego na área.

Sempre participou ativamente de movimentos sociais ou partidários e há 4 anos entrou também para a Batucada Feminista de Blumenau, grupo voltado aos direitos das trabalhadoras que existe na cidade desde 2003. 

Após décadas de luta histórica das mulheres, em 2022 uma lei federal aprovou que não há mais necessidade de autorização do cônjuge para realizar laqueadura ou vasectomia, além da alteração na idade e quantidade de filhos. As novas regras também permitem que gestantes façam o procedimento logo após o parto (evitando dupla internação) sem comprovar risco de saúde em uma futura gravidez.

As pessoas interessadas devem enfrentar a fila do SUS. A cirurgia é considerada simples e dura, em média, 40 minutos com três dias de internação. Outras conquistas do feminismo foram a distribuição da pílula anticoncepcional e a colocação de DIU de cobre gratuitamente por meio da rede pública de saúde.

Além disso, a disseminação de informações sobre sexualidade e combate à violência nos debates das escolas. Segundo os últimos dados levantados pelo IBGE, mais de 20 milhões de mulheres são mães solteiras no Brasil e mais de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento.

Outras conquistas históricas (e recentes) das mulheres:

1827 – direito de estudar
1962 – direito de trabalhar fora sem autorização do marido

1974 – direito de portar cartão de crédito 

1977 – direito de se divorciar

1979 – direito de jogar futebol

1985 – direito de delegacia especializada

1988 – ser reconhecida perante a lei como igual aos homens

2006 – ter banheiro no Senado

2015 – ter feminicídio reconhecido como violência

Chegamos ao fim, por enquanto, da nossa série fotográfica. A partir de agora vamos levar nosso material em forma de exposição para diversos pontos da cidade. Aos poucos vamos divulgar as datas e locais, além dos agradecimentos a todas e todos que apoiaram este projeto de diferentes formas possíveis!

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