por: Manoella Back / Jornalista
Raízes, relógios, Tic-tac. E já se passou a semana do 29º Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau (Fitub). O dia a dia dentro das dependências do Teatro Carlos Gomes e da Furb foi um presente. Presente cheio de sotaques, lágrimas e sorrisos que a sexta arte nos traz. Um presente também porque este festival é feito de experimentos de acertos, erros e liberdade. Neste ano o Fitub foi palco, literalmente, de narrativas com conflitos contemporâneos. A violência contra as minorias sociais eram mostradas em cena. O espetáculo da primeira noite “Titus Fúria” (Trezencena –Unicamp) e “Isso É Um Convite” (Coletivo Errante – UFRJ ampliavam fortemente este debate. Li a sinopse antes de assistir o segundo e tive a impressão de que seria apenas uma história cartesiana com início, meio e fim. Mas foi profundo e trouxe questões sobre como lidamos com a violência muitas vezes silenciosas e silenciadas dos nossos dias. Como os silenciadores comprometem nossa [falta de] liberdade? Por falar em liberdade, convém lembrar de “Corpus, Área de Silêncio” (Teatro de Gomorra – USP) que ilustra de forma bela e caótica que não são todos os corpos que têm lugar no espaço. Precisamos seguir padrões. De higiene, de cor, de sexualidade, de vida. O corpo é um campo de batalhas diárias e de julgamentos.
De autoria do dramaturgo blumenauense Gregory Haertel, a peça “P’s” (Trapiá Cia Teatral – UFRN) nos deixa ora, com piedade do protagonista, ora, com absoluta raiva. É que P, sertanejo e de origem humilde, encontra justificativas para o acerto de contas que o fez matar sua mãe, irmão e irmã. De forma lúcida, mas em muitas vezes desconcertante e fora de órbita, P diz que “é o que os outros não entendem”. A obra é baseada em “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão” de Foucault que é retrato de uma época cujos valores e tradições seriam retrocessos para os nossos dias.
Em “Rasgue Minhas Cartas” (Rasgue – UDESC) a proposta é falar de solidão e confissões. As atrizes falam dos dilemas de suas existências. Calmas e ansiosas por todo o tempo, já que são jovens e interagem com seus egos e tecnologias. Não vivem as coisas no íntimo, mas possuem a urgência de viver um pouco de tudo.
Já a peça “Aos que vieram antes de nós” 013 (Coletivo de Teatro – USP) me remeteu ao poema “Aos que vierem depois de nós” de Bertold Brecht no seguinte verso “Ah, os que quiserem preparar terreno para a bondade, não podem ser bons. Vós, porém, quando chegar o momento em que o homem seja bom para o homem, lembrai-vos de nós com indulgência.” O espetáculo com cenografia e figurino de cores quentes e majoritariamente neutras, trouxe histórias duvidosas de um povoado explorado por Juan Preciato, que segue em busca de seus antepassados.
“19h45!” (Miúda Cia. – CEFART) propicia refletir sobre a efemeridade do dia-a-dia e das relações humanas. No espetáculo sob o formato arena, laranjas estavam dispostas sobre o palco, o que influenciava a movimentação dos atores e do protagonista que entrava e saia de cena com uma bicicleta. O público se inquietou e parecia querer fugir da confusão. Mas ela não passou tão cedo. Os fatos eram sobrepostos. Os relógios eram presentes. A sobreposição era a de tempo. A pressa é mesmo inimiga da perfeição mas, mesmo sem a pressa, incidentes acontecem. A montagem ainda tem influência de Jung ao dialogar com individuação, tempo e espaço. Lembrou me por diversas vezes de Vinícius de Moraes que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”
O desencontro também está presente em “Zecas de uma cesta só” (Zecas Coletivo de Teatro – UFPA). Evidencia vida e rotina das periferias do Pará. Expõe contradições e suas nuances. Usa entranhas, sem convenções estéticas. Eco de vozes e inclusão de contexto. Questiona determinismo e meritocracia: “filho de pobre nasce para ser trabalhador e de rico para ser doutor.” Com trilha sonora de Chico Buarque, os personagens convencem com esperança no olhar. O cotidiano se repete até que… Será que é isto que vamos continuar vivendo? Quem olha para as periferias? Saí do espetáculo atônita e emocionada. Não me senti mais gente. Sou branca e privilegiada. Em caso de problemas financeiros, ainda posso quebrar o vidro e pedir arrego. Moramos na província Blumenau e, na província, vive-se de aparências e do ter. O coração é duro e desconhece a verdade. Para quem vive no mundo do nada, dos vãos poucos poéticos e do capitalismo desenfreado, reflexões como as que foram levantadas são muito importantes.
Os manifestos contra o sucateamento de universidades, desvalorização do artista, desmonte e reativação (com grandes perdas) do Ministério da Cultura e a situação política do país foram constantes durante a 29º edição. Não importa qual seja o melhor espetáculo, melhor direção, melhor ator ou atriz desta edição. Ri, mas também senti socos no estômago com instantes de falta de ar. O Fitub, este ano, reforçou que precisamos tomar posições e não estar alheios ao combate das desigualdades. Senti-me representada pelas obras deste ano e, parafraseando, o teórico Lev Vygotsky “temos a possibilidade de tornar nós mesmos através do outro”.
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