Suzana Sedrez
Psicóloga, Dra. em Educação, Mestre em Ciências Sociais
Leonardo Padura, no seu penúltimo livro “O homem que amava os cachorros” – da Boitempo -, deixa uma questão não resolvida: sacrificam-se valores, vidas, utopias de gerações em gerações e o fascismo continua sempre à espreita.
Fanáticos são moralistas e eliminam qualquer discussão.
Nos seus aparatos, mentiras viram verdades e verdades, mentiras. Sem liberdade de expressão, sem o contraditório, só há fascismo. Assim, produzem medo e conduzem as massas pelo medo de uma (suposta) verdade só. Essa foi minha apreensão do romance histórico de Padura que trata do planejamento minucioso da morte do líder soviético Leon Trostki, executado pelo militante espanhol Ramón Mercader, a mando de Stalin.
Inevitável, depois da leitura, não fazer comparações com 2015 no Brasil e outros Países. Vivemos uma guerra de informações desiguais com disputas partidárias em várias instancias nos meandros mais recônditos do que constitui o Estado Brasileiro.
Uma luta ética traduzida em luta de classes, cada qual por sua ética de direita ou de esquerda. De parte desse rescaldo proponho uma leitura das ações de duas personagens em voga pelas possíveis consequências de suas éticas ainda em movimento. Foi possível ler, nas manchetes oficiais e alternativas, o juiz Moro como herói de um lado, promovendo a suposta limpeza da corrupção no País e fascista de outro, com dois pesos e duas medidas na Lava-jato como parte da arquitetura do golpe, porque permite com seus vazamentos, o desgaste e a penalização só de um partido e, em última instância, a quebra da soberania nacional abrindo caminho para as privatizações pregadas pela oposição com apoio dos EUA.
Da mesma forma, no STJ, o Ministro Barroso foi acusado pela mídia dominante como se tivesse usado de “malandragem” para arbitrar sobre o ritual do impeachment definido pelo deputado e ainda presidente da Câmara, apesar de todas as acusações, inclusive as da Lava Jato, que pesam sobre ele. Ritual este que deu partida para o golpe apoiado, efusivamente, pela oposição.
Por outro lado, a esquerda suspirou aliviada sentindo nessa ação que ainda era possível confiar na justiça porque esta restabelecia os procedimentos democráticos do processo em questão, barrando o golpe.
Extremos da Justiça? Cada qual partindo de seus pressupostos que atendem interesses de classe. Moro como a mão invisível do mercado e Barroso como a do Estado democrático de direito (desse mesmo lado, o Ministro Lewandowski, deu o veredicto sobre financiamento público de campanha que supostamente impedirá outros golpes).
Uma luta ética do Estado dentro do Estado cujos sintomas traduzem um embate entre Mercado e Estado. Uma queda de braços em que na Argentina, por exemplo, venceu Macri e aqui, Dilma resiste. Resiste por políticas que dão orgulho ao mundo e vergonha à elite local que só quer ser assistencialista. Esta distribui o que sobra depois de usado, mas não quer ascensão, mobilidade e direitos sociais para todos. Sobretudo, porque seu discurso é hipócrita por esconder seu interesse em se apossar do Estado, já que não sobrevive sem ele.
Um jogo em que esta disputa está por todo o planeta. Ter recursos a qualquer preço, dominar os recursos à força bélica e vende-los, sem avaliar os impactos, transformando o planeta em um Estado-Mercado a partir do desmonte e/ou privatizações de soberanias nacionais erigidas com dinheiro público.
Sob as mentiras das verdades, vai-se tecendo o fio condutor do medo incutido no “apesar da crise” para a demonização de um só partido corrupto. Essa tessitura vai moldando mentalidades e reações fascistas que vão corroendo as bases da democracia ativa fazendo-as desejar intervenções heroicas e totalitárias. Uma certeza insidiosa por onde a lógica escapa e nos coloca a questão da utopia pervertida de que fala Padura.
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